terça-feira, 20 de março de 2012

Partidos políticos, coronéis e votos



Coluna Econômica - 20/03/2012
Há pontos em comum entre um partido político e uma empresa.
Uma empresa moderna precisa de uma missão clara, com foco no cliente e uma estratégia permanente de renovação, seja de seus dirigentes seja dos escalões intermediários.
Na política, tanto a missão quanto a renovação dependem do contato estreito com as bases. É o que mantém a vitalidade do partido, torna a cúpula sensível às demandas do cidadão comum, garante a renovação permanente.
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No Brasil, há um partido formado na base por movimento sociais: o PT. Essa militância permitiu a oferta abundante de quadros, desde a área técnica até áreas sociais.
Mas, à medida que sobe-se na hierarquia, as principais indicações cabem a Lula – fortalecido pelo último grande acerto, da indicação de Dilma Rousseff nas últimas eleições.
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No PSDB, esse papel poderia ter sido exercido por Fernando Henrique Cardoso. A diferença é que Lula exerceu bem esse papel; e FHC não.
A carreira de Lula, do sindicato à central sindical, de la para o PT, do PT para a presidência obrigou-o a pensar permanentemente na sucessão.
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No caso do PSDB, o partido surgiu a partir de duas alas majoritárias: um grupo de intelectuais, economistas, que se organizou em torno de FHC e do Plano Real; e a ala política, dos antigos “autênticos” do PMDB, liderados por Mário Covas.
O “cheiro do povo” só chegava ao PSDB através de Covas. A formação intelectual de FHC sempre privilegiou o trabalho individual, solitário, não a arregimentação.
Mas Covas se foi e seu lugar terminou ocupado por Geraldo Alckmin que herdou essa preocupação de ouvir as ruas, mas sem ter a dimensão nacional de Covas.
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Sem Covas e sem FHC, na cúpula – tanto nacional quanto estaduais-, consolidou-se o espírito do “coronelato”. Há espaço para poucos “coronéis” e para soldados. Não existe oxigênio para uma classe intermediária, muito menos para a militância, de onde poderiam nascer novas lideranças.
Quem consegue se colocar debaixo de um “coronel”, sobrevive, desde que não aspire voos mais altos. Quem não consegue, desaparece.
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É ilustrativo o caso José Aníbal – candidato a candidato a prefeito de São Paulo pelo partido. Poucos tucanos têm sua folha de serviços. Presidente do partido, líder na Câmara Federal, Secretário de Tecnologia, bom trânsito junto ao meio empresarial, junto à militância do próprio partido, respeitado pelos adversários apesar do seu estilo contundente. Nas últimas eleições municipais, foi para o sacrifício, candidatou-se a vereador apenas para puxar votos para o partido. E conseguiu uma votação espetacular.
Mesmo assim, está ao relento.
Há anos entrou na lista dos inimigos gratuitos de Serra. De Alckmin nunca teve maior espaço, justamente devido à sua dimensão nacional – maior que a do governador. Durante algum tempo, tentou se abrigar na asa de FHC. Mas o ex-presidente nunca se animou a ter seguidores: sempre quis pairar acima das facções partidárias.
Agora provavelmente será esmagado nas prévias do partido, devido à aliança de dois inimigos mortais: Alckmin e Serra.
O maior prejudicado será o próprio PSDB em São Paulo, que joga pela janela a última oportunidade de reavivar uma militância que se esvai.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Harém partidário


JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO - O Estado de S.Paulo
Por que o governo Dilma carrega uma base parlamentar tão extensa, conflituosa e perdulária quanto uma amante argentina? Só PSOL, PSDB, DEM e PPS praticam oposição de fato e votam contra as proposições governistas com assiduidade. O PV fica a meio termo. Juntos, os oposicionistas mal chegam a uma centena de deputados, menos de 20% da Câmara.
Os demais 80% votam tão frequentemente sob a orientação dos prepostos de Dilma que quando não o fazem, mesmo que em algo de menor importância, é notícia. Não faz diferença ganhar por 50 ou 250 votos de margem. Mas custa mais caro. Carregar uma maioria tão inchada requer um guindaste que só se mantém em pé graças a um contrapeso de verbas e cargos.
Em tese, uma maioria de 257 votos seria suficiente para o governo aprovar praticamente tudo o que quer na Câmara, já que não há nenhuma reforma constitucional fundamental à vista. As bancadas do PT (85 deputados), PMDB (76) e do bloco PSB-PTB-PCdoB (63) somam 224 votos. Os 33 restantes para a maioria absoluta viriam de partidos quânticos como PSD (47) ou PP (39).
Outras siglas que condicionaram o apoio a Dilma no Congresso a ministérios, como PR (36 deputados) e PDT (26), poderiam ser usadas conforme a necessidade - e sem cadeira cativa na Esplanada. Mas todo esse raciocínio cai por terra quando confrontado com um dado da realidade: PT e PMDB estão em rota de colisão eleitoral.
O crescimento petista nas eleições deste ano, se ocorrer, tende a desfalcar a bancada peemedebista. Não só porque o PMDB é o partido com maior número de prefeituras (1.181) e, assim, com mais a perder. A história tem sido assim. Embora parceiros na chapa presidencial, as duas siglas têm um passado muito mais de conflito do que de aliança, principalmente nos municípios.
Os partidos esparramam sua base municipal enquanto estão no poder. O auge do PMDB foi no governo Sarney, quando o partido mandava e desmandava. Em 1988, os peemedebistas elegeram 1.606 prefeitos, ou 38% das vagas em disputa. Na época, PT e PSDB tinham menos de 1% das prefeituras. Mas a história estava prestes a mudar, à medida que as duas siglas passassem a polarizar a disputa pelo governo federal.
Em cada uma das quatro eleições municipais seguintes o poder relativo do PMDB diminuiu, enquanto o do PSDB e, depois, o do PT cresceu. Em 2004, dois anos após perderem a eleição presidencial coligados aos tucanos, os peemedebistas bateram no ponto mais baixo de sua base municipal: 19% das prefeituras. Era preciso mudar a estratégia.
Começou a guinada rumo ao PT. O PMDB não se coligou a Lula em 2006, mas tampouco se aliou aos seus rivais do PSDB. Em 2008, petistas e peemedebistas já eram aliados no Congresso e no governo. Resultado: o PMDB voltou a aumentar sua base municipal, que chegou a 22% das prefeituras.
Em meio a rusgas e aproximações, as duas siglas formalizaram sua união em 2010, com Michel Temer (PMDB) se tornando vice de Dilma Rousseff. Mas o casamento não ajudou os peemedebistas a expandirem sua base municipal. Ao contrário, nos últimos quatro anos, entre cassações e traições, a tropa peemedebista minguou para 21% dos prefeitos.
Toda vez que isso acontece, os cardeais do partido ficam nervosos. É a colcha de retalhos municipalista que cobre as oligarquias estaduais do PMDB e lhes serve de manto protetor em Brasília. Sem a base, a cúpula desaba. Enquanto isso, a base municipal petista segue crescendo. Dobrou em 2004, cresceu 50% em 2008 e passou de 10% das prefeituras.
No longo prazo, a aliança PT-PMDB é insustentável. Os conflitos ficarão cada vez mais óbvios com a aproximação das eleições. Resta a Dilma mimar o resto do harém partidário para quando o divórcio chegar.

O conceito de taxa real nos investimentos externos



Coluna Econômica - 19/03/2012
Apesar dos inegáveis avanços dos últimos meses, o Banco Central do Brasil continua preso a paradigmas falsos.
O primeiro, o de que a apreciação cambial se deve ao excesso de emissão monetária do Banco Central Europeu – mais o FED norte-americano, o Banco da Inglaterra e o do Japão.
De fato, o excesso de liquidez empoçada (dinheiro armazenado sem ser canalizado para crédito) aumenta a propensão a jogadas especulativas. E o peru da vez é o real, devido às boas condições fiscais brasileiras mas, principalmente, devido ao diferencial entre os juros de curto prazo aqui e lá fora.
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O segundo ponto relevante é julgar que a redução da Selic para patamares de 9% provocará uma redução no fluxo de investimentos externos.
O mercado trabalha com uma taxa real de juros que equivale à Selic menos a inflação esperada para os próximos 12 meses. Essa taxa seria hipoteticamente de 2,5% a 3%.
Esse conceito de taxa real, muito utilizado nos períodos de inflação elevada, não se aplica aos investimentos em dólares. A inflação mede o poder aquisitivo da moeda. Suponha que um investidor tenha R$ 10.000,00. Um ano depois, supondo uma inflação de 6%, ele teria – teoricamente – que ter R$ 10.600,00 para adquirir os mesmos bens que adquiria antes com R$ 10.000,00.
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Acontece que a moeda do investidor externo é o dólar. Ele quer comparar a quantidade de dólares que traz com a quantidade de dólares que leva, no resgate do investimento.
Suponha que o investidor traga US$ 1 milhão. Com o dólar a R$ 1,70 ele comprará R$ 1.700.000,00. Nesse período, aplicará o dinheiro a 9,75%. Ao final de 12 meses seu saldo será de R$ 1.865.750,00.
Pouco importa de quanto for a inflação (em reais) no período. O que lhe interessa é o valor do dólar quando tiver que comprá-lo para remeter seu investimento para o exterior.
Se continuar em R$ 1,70, ele comprará US$ 1.097.500,00 – ou 9,75% de rentabilidade. Lá fora os mesmos US$ 1 milhão estariam em US$ 1.010.000,00.
Portanto, mantida a mesma paridade cambial, 9,75% de juros internos são uma enormidade frente aos 1% de remuneração dos mercados emergentes.
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Apenas o fato risco é capaz de inibir a entrada de dólares. E ele se deve à taxação do capital externo com IOF de acordo com seu prazo de permanência. A Fazenda estendeu para 3 anos o prazo mínimo de permanência do investimento externo, para ficar isento do pagamento de 6% de IOF.
Dois fatores contribuem para isso. O primeiro, a cobrança do IOF em si, que come parte da rentabilidade do investimento inferior a 36 meses. O segundo, as incertezas que traz para a taxa de câmbio.
Nada impedirá a Fazenda, mais adiante, de aumentar a taxação. Ela não tem efeito retroativo. Mas o simples fato de impactar a cotação do dólar afetará a rentabilidade dos investimentos externos já internalizados, à medida que afetará o seu valor de resgate.
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De qualquer modo, o grande desafio do BC será desatrelar a taxa Selic dos investimentos de médio e longo prazo. Esse passo será o gatilho para a reciclagem maciça da renda fixa para os investimentos de capital.