terça-feira, 1 de julho de 2025

André Mendes Moreira - IOF: Entre o Legislativo e o Executivo, a Constituição, FSP

 André Mendes Moreira

Professor de Direito Tributário da USP, é advogado e parecerista, sócio do Sacha Calmon-Misabel Derzi Consultores e Advogados

Os recentes embates entre governo e Congresso em torno do IOF suscitaram dúvidas sobre a competência do Executivo para elevar impostos por decreto.

Para compreender o tema, é preciso assentar algumas premissas. No Brasil, tributo é prestação pecuniária compulsória, significando que: (a) é paga em reais; e (b) não depende da vontade do contribuinte. Logo, todo tributo, para ser tributo, precisa arrecadar. Exigências de prestação compulsória de serviços à sociedade —os mesários nas eleições, os jurados no Tribunal do Júri— não são tributárias.

Fixado que todo tributo arrecada, é preciso discernir entre as categorias de tributos existentes. Dentre uma miríade de classificações, importa a divisão entre tributos com função predominantemente fiscal e tributos com função predominantemente extrafiscal.

Um homem está posando para a foto em um ambiente de escritório. Ele usa um terno escuro, uma camisa branca e uma gravata verde. O homem tem cabelo curto e usa óculos. Ao fundo, há janelas que mostram uma vista urbana com prédios.
André Mendes Moreira, professor de Direito Tributário da USP, é advogado e parecerista, sócio do Sacha Calmon-Misabel Derzi Consultores e Advogados. - Divulgação/Sacha Calmon-Misabel Derzi Consultores e Advogados

Um tributo que se volta à fiscalidade é aquele estruturado especialmente para carrear receitas aos cofres públicos. Já o extrafiscal é criado para induzir comportamentos da sociedade. Todo tributo será sempre mais ou menos fiscal (pois arrecadará em alguma medida) e mais ou menos extrafiscal (pois promoverá comportamentos em algum grau).

Imposto de Renda e o ICMS são impostos com função fiscal forte e extrafiscal fraca. Existem para arrecadar em primeiro lugar. Não se ocupam de induzir comportamentos dos contribuintes, salvo em situações excepcionais, como nos benefícios fiscais para atração de investimentos.

O IPI e o IPVA são impostos com funções fiscal e extrafiscal médias. No IPI, os produtos industrializados são tributados, mas as alíquotas são diferenciadas conforme o comportamento que se deseje promover: motocicletas, por exemplo, pagam mais imposto do que bicicletas. No IPVA, os automóveis são anualmente tributados, porém há desconto para aqueles que gerem menor impacto ambiental. Em síntese, essa categoria de tributos busca equilibrar a função fiscal com o alcance de outras finalidades de interesse social.

Por fim, há os tributos de fiscalidade fraca e extrafiscalidade alta. Os impostos de importação (II), exportação (IE) e sobre operações financeiras (IOF) integram esse grupo. Sua arrecadação é de menor relevo para as contas públicas, embora jamais insignificante. Prepondera a função extrafiscal: proteger o mercado nacional (II), impedir o desabastecimento de bens no País (IE), regular o mercado de crédito, câmbio, seguros, títulos e valores mobiliários (IOF). Aqui o peso atribuído à extrafiscalidade é maior do que à fiscalidade.

Isso posto, é preciso indagar: uma elevação dos impostos de fiscalidade fraca, caso declaradamente vise a aumentar a arrecadação, é inconstitucional? A resposta é, a princípio, negativa. Afinal, se todo tributo arrecada, a elevação de alíquotas é inerente ao seu próprio caráter. Somente haveria inconstitucionalidade se o aumento contrariasse as finalidades extrafiscais almejadas. Por exemplo, um aumento de imposto de importação sobre bens escassos em território nacional seria impróprio – não pelo aumento em si, mas pelas consequências indesejadas no mercado interno. A discussão se desloca, portanto, para um outro plano. Embora inicialmente válido, o aumento deixaria de sê-lo por gerar impactos na sociedade contrários àqueles que o tributo deveria promover.

Em diversos impostos de extrafiscalidade forte ou média, como IOF e IPI, a Constituição permite que o Poder Executivo modifique as respectivas alíquotas por meio de decreto. A autorização não é sem limites: o Congresso Nacional deve, em primeiro lugar, aprovar lei contendo as alíquotas mínimas e máximas do tributo. É apenas dentro do gradiente fixado pelo legislador que o Executivo pode operar.

No recente aumento do IOF, o que se teve foi um ato do Poder Executivo (publicação de decreto), elevando algumas alíquotas do imposto (dentro de critérios de racionalidade, expostos à sociedade), observando os limites máximos previamente fixados pelo Congresso na lei do IOF, publicada em 1994. Ao longo das últimas três décadas, foram inúmeras as modificações de alíquotas desse imposto, todas operadas pelo Poder Executivo. Agora, por primeira vez, questiona-se o exercício desse direito.

Qual o argumento? Conforme o Congresso Nacional, que editou decreto legislativo para sustar os efeitos do aumento do IOF, o Executivo teria ido além dos seus poderes quando elevou tributo com alta extrafiscalidade com vistas a arrecadar. Se esse era o objetivo, então somente um tributo de extrafiscalidade média ou baixa poderia ser utilizado.

O argumento não procede. Se assim o fosse, as receitas do IOF sequer deveriam constar do orçamento público. Embora reduzida, a arrecadação com esse imposto é importante para o fechamento das contas públicas, especialmente em um país que tem metade da arrecadação federal comprometida com o serviço da dívida pública.

Ignorar a fiscalidade do IOF significa negar-lhe o caráter arrecadatório e, por conseguinte, sua própria natureza tributária. Um telefone celular, mesmo com dezenas de aplicativos e uma lanterna, é, ainda assim, um telefone celular, apto a fazer e receber ligações. Uma camisa do time do coração, ainda que manto sagrado a ser utilizado aos domingos, não deixa de ser uma vestimenta. Um imposto que regula mercados de câmbio, crédito e seguros é, antes de tudo, um imposto. Utilizado de forma correta, como o foi, nada há a ser sustado, salvo a própria controvérsia em si.

As escolhas erradas e a energia perdida, Paulo Pedrosa - FSP

Paulo Pedrosa

Presidente da Abrace Energia, associação que representa os grandes consumidores de energia elétrica e gás natural

Como os fractais, os problemas do Brasil repetem um padrão do micro ao macro. E esse padrão é focar em soluções individuais, esquecer o coletivo e não pensar nas consequências. Sonhamos com condomínios fechados, carros blindados, planos de saúde e escolas particulares –enquanto temos medo de andar nas ruas. E agora nesse sonho ainda colocamos carros elétricos importados abastecidos por painéis solares também importados —tudo suportado por isenções e subsídios transferidos aos outros.

energia limpa, segura e barata é uma das maiores vantagens comparativas do Brasil e poderia ser a base de uma estratégia de desenvolvimento que alcaçaria a todos. E ela vem sendo destruída sistematicamente para atender aos mais diversos lobbies.

Nas últimas semanas, duas pautas colocaram em xeque essa oportunidade. A primeira, a derrubada de alguns dos vetos aos "jabutis" inseridos na lei das eólicas offshore, que, para atender a alguns interesses políticos e econômicos impõem a todos custos injustificáveis e favorecem fontes mais poluentes e caras. A segunda ronda a medida provisória nº 1.300, que tem o objetivo de modernizar o setor elétrico.

A imagem mostra uma fileira de painéis solares dispostos em um campo. Os painéis são retangulares e possuem uma superfície escura, refletindo a luz. Ao fundo, há uma grande área coberta por mais painéis solares, com vegetação ao redor. O céu está nublado, sugerindo um dia sem sol intenso.
Placas de energia do maior parque da América Latina, operado pela Elera Renovaveis em Janaúba (MG). - Eduardo Anizelli/Folhapress

A MP traz avanços importantes: abre caminho para um mercado mais livre e eficiente, com aprimoramentos na gestão de contratos e na cobrança de encargos. Enfrenta subsídios históricos que distorcem preços e prejudicam os consumidores. Esses pontos merecem reconhecimento. Mas, ao mesmo tempo, a proposta transfere para a indústria —especialmente a que compra energia no mercado livre— custos significativos de políticas públicas, inclusive nova subvenção que vai zerar a conta de 60 milhões de brasileiros.

No mérito, ninguém discute a importância de acolher os brasileiros mais vulneráveis garantindo justiça tarifária na conta de luz. Mas, para que seja realmente justa, a medida precisa considerar suas consequências para as pessoas na conta de luz e também no preço de tudo o que se produz aqui. O ganho não pode se perder travestido no preço do litro de leite, do caderno e da camiseta. Hoje, 23% da cesta básica estão atrelados à energia. Ao repassar esses custos à indústria, corre-se o risco de encarecer a vida de quem se queria proteger.

Em vez disso, precisamos de uma solução estrutural: que os benefícios sociais sejam custeados por mecanismos amplos, transparentes e sustentáveis —como os fundos sociais já existentes e o próprio orçamento da União— e que a transição energética foque na competitividade da energia e em seu consumo, e não na oferta a qualquer custo.

Hoje mais da metade do custo da energia corresponde a políticas públicas, encargos e taxas, implícitas e explícitas, e eles se acumulam e multiplicam nas cadeias produtivas, sem compensações que aconteceriam se eles fossem tratados corretamente como tributos.

A MP 1.300 pode ser um marco na construção de um setor elétrico mais moderno, justo e eficiente. Mas, para isso, precisa ser aperfeiçoada no Congresso Nacional. A indústria nacional, por meio de suas associações, federações e da CNI (Confederação Nacional da Indústria), tem demonstrado uma inédita unidade na defesa da competitividade do país. Além de corrigir distorções, devemos construir uma agenda positiva, que proteja o Brasil da desindustrialização e o projete como potência verde no cenário global.

A energia pode ser o motor de uma nova economia beneficiando a todos. Mas, para isso, precisamos escolher a todos, não a alguns, e pensar sempre nas consequências.

 

BYD festeja avançar por Brasil e Europa, mas diz que 'não é fácil' contra gigantes globais, FSP

 

Xian (China)

Em evento semelhante a um programa de auditório, em Xian, na China, a BYD festejou nesta segunda-feira (30) a produção de um milhão de unidades do Dolphin Mini, com a presença de seus principais executivos --e tendo como atração a entrada em vídeo de sua vice-presidente, Stella Li, do Brasil.

A fábrica da montadora chinesa em Camaçari, na Bahia, será aberta nesta terça (1º). Como é comum na primeira fase de um processo produtivo, os automóveis irão para o Brasil praticamente prontos, no regime conhecido por SKD, sigla em inglês para semidesmontado.

Li enfatizou que o Dolphin Mini "já abriu suas asas ao redor do mundo", antes mesmo da produção no Brasil e na Europa, esta na fábrica húngara prevista por ela para inauguração até dezembro.

Vendeu 103 mil unidades fora da China e virou "best-seller no Brasil, Tailândia, Singapura e outros". Destacou ainda a entrada recente em 15 países europeus.

A vice-presidente da BYD, Stella Li, participa de cerimônia em Xian, na China, através de vídeo transmitido do Brasil - Reprodução/WeChat

"A jornada para levar os carros chineses para o palco global não tem sido fácil", disse, citando a "dura competição com gigantes globais estabelecidos", sem nomear quais.

PUBLICIDADE

Sobre alcançar um milhão de unidades, completadas nesta segunda, na fábrica de Xian, a maior da BYD, Li sublinhou que o resultado veio "em apenas 17 meses", estabelecendo "um recorde na história automotiva global".

Segundo ela, "é parte da missão [da montadora] ajudar a resfriar o planeta em 1ºC", o que cada comprador do modelo estaria ajudando a alcançar. Agradeceu em especial a "nossos 120 mil engenheiros, que tornaram a jornada global possível".

Em entrevista coletiva concedida antes de viajar ao Brasil, em Shenzhen, sede da BYD, Li havia afirmado que o objetivo para a Europa é que o primeiro carro, chamado no mercado de Dolphin Surf, saia da linha de produção até o final ano. "E então, ao longo de vários meses, vamos aumentar", disse.

Quanto às pressões da União Europeia, comentou que "o princípio da BYD é sempre produzir localmente, sempre produzir naquele mercado". Descreveu a montadora como tendo "paciência de longo prazo, não toma decisões baseadas em curto prazo, como razões geopolíticas ou tarifas".

Acrescentou: "Se for sustentável, então nós esperamos" o mercado amadurecer, ressaltando ser uma empresa privada.

BYD Dolphin Mini de frente
BYD Dolphin Mini atinge melhor marca de consumo de energia no Ranking Folha Mauá 2024 - Divulgação

A cerimônia em Xian, que precisou ser transferida para um salão interno devido à chuva, contou com intervenções semelhantes de diretores da BYD, além de testemunhos de usuários, influenciadores e até duas nadadoras vencedoras na última Olímpiada. Elas ficaram com o milionésio Dolphin Mini ou Seagull, como é chamado na China.

O evento teve dois animadores e distribuição de presentes para a plateia, inclusive bonecos Labubu, uma febre chinesa, da fábrica de brinquedos Pop Mart. Também uma banda de rock em mandarim e jovens em demonstrações de "street dance".

Sob aplausos, foi anunciada mais uma redução de preço para o Seagull no mercado chinês, assim como uma quilometragem maior entre recargas da bateria.

Na entrada, influenciadores e jornalistas gravaram vídeos ao lado de versões coloridas do veículo e testaram sua ferramenta de estacionamento automático --que pode ser adquirida na China, apesar do desenvolvimento ainda parcial, mas não está disponível para outros mercados.

Também foi possível acompanhar veículos demonstrando a direção autônoma desenvolvida para rodovias. No carro em que estava o jornalista brasileiro, uma mudança de pista em velocidade precisou ser abortada pelo motorista da BYD, para evitar bater em outro que também mudava de pista, em meio à chuva forte.