terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Presidente da Coreia do Sul declara lei marcial, Exército invade Parlamento e oposição denuncia golpe; veja vídeo, FSP

 

São Paulo

O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, decretou lei marcial nesta terça (3), pegando o país de surpresa em meio a uma grave disputa com a oposição, que denunciou a ação como uma tentativa de golpe de Estado.

Atividades políticas e liberdades civis estão banidas, a imprensa foi censurada e militares tomaram as ruas de Seul e invadiram a Assembleia Nacional. É a primeira vez que isso ocorre no país asiático desde o golpe militar de 1980, um dos vários da história sul-coreana.

"Eu declaro lei marcial para proteger a livre República da Coreia da ameaça das forças comunistas da Coreia do Norte, para erradicar as desprezíveis forças antiestatais pró-Coreia do Norte que estão pilhando a liberdade e a felicidade do nosso povo, e para proteger a ordem constitucional", disse Yoon.

Multidão com celulares ao lado de ônibus da polícia
Manifestantes encontram o portão da Assembleia Nacional da Coreia do Sul fechado por policiais após o presidente Yoon decretar lei marcial - Jung Yeon-je/AFP

A oposição disse que não reconhece a medida. Até aliados de Yoon, como o líder de seu partido, Han Dong-hoon, criticaram a ação. Ele disse que a lei marcial não deve ser respeitada porque é uma decisão "errada".

Imagens em redes sociais mostravam grupos de pessoas na frente do Parlamento, fechado por soldados, e tropas tentando tomar o plenário do edifício. Houve confrontos, e blindados e helicópteros foram empregados pelos militares.

Segundo o Comando de Lei Marcial, instituído por Yoon, liberdades civis estão restritas. Todos que desrespeitaram regras poderão ser presos, segundo divulgou o Exército, e a as atividades políticas de partidos dentro e fora do Parlamento estão proibidas por ora.

Homem oriental de terno preto e gravata vermelha fala na TV, com fundo azul atrás
O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, declara a lei marcial em pronunciamento na TV - Junt Yeon-je/AFP

O comitê diz ter colocado a usualmente vibrante imprensa do país sob seu controle, mas não está claro como isso será imposto até aqui.

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Lei marcial geralmente é evocada em tempos de guerra, como na Ucrânia. A rigor, Seul está num conflito congelado com Pyongyang desde o armistício que pôs fim a três anos de combate em 1953.

Yoon, do conservador Partido do Poder do Povo, tem enfrentado resistência do Congresso, que é controlado pelos liberais do Partido Democrático —a agremiação oposicionista soma 170 dos 190 assentos contrários ao governo, que tem 108 deputados.

A mais recente querela é sobre o orçamento do ano que vem, que adversários dizem ser uma cortina de fumaça para tirar foco de escândalos envolvendo aliados e até mesmo sua mulher, criticada por aceitar uma bolsa de luxo e acusada de manipular o mercado de ações.

O líder da oposição, Lee Jae-myung, afirmou que a lei marcial é inconstitucional. Ele convocou uma reunião de emergência no Parlamento com membros de seu partido, mas foi barrado na porta por soldados, segundo a mídia local.

A gravidade da crise, apesar das contínuas rusgas entre governo e oposição, não era esperada desta forma. A política sul-coreana sempre contrastou com sua pujança econômica, sendo um campo minado de disputas.

Desde que foi criado em 1948, o país foi governado por uma ditadura militar e líderes autocráticos até 1987, quando começou a transição para a democracia liberal que ganhou corpo pleno apenas em 2002.

No Parlamento, tal vitalidade ganhou ares às vezes farsescos, com as famosas brigas físicas entre deputados, mas nada indicava uma regressão ao tempo de golpes militares.

Em seu pronunciamento em rede nacional no fim da note (fim da manhã no Brasil), que não havia sido anunciado, Yoon disse que "não teve outra escolha". Segundo ele, a gota d'água foi uma moção do partido Democrático para impedir alguns procuradores de Estado e sua rejeição ao orçamento proposto pelo Executivo.

A acusação de que a oposição apoia a Coreia do Norte também parece fora de lugar. Nos últimos meses, a aprovação de Yoon havia caído aos piores níveis desde que assumiu o governo, em 2022. Na semana passada, o instituto Gallup Korea apontou que apenas 19% dos sul-coreanos apoiam o líder.

Seu rival Lee, a quem Yoon derrotou marginalmente na eleição presidencial passada, disse à Yonhap que o país será "governado por tanques, blindados de transporte de pessoal e soldados com armas e facas'.

"A economia da República da Coreia vai colapsar de forma irreversível. Meus concidadãos, por favor venham à Assembleia Nacional", disse, usando os nomes formais do país e do Congresso. A Bolsa de Seul poderá não abrir nesta quarta (4), e há o won, moeda local, sofreu queda ante o dólar.

No discurso, o presidente usou eufemismos acerca do que parece se configurar como um autogolpe. "A declaração da lei marcial vai causar algumas inconveniências às pessoas de bem que acreditam e seguem os valores da Constituição, mas eu vou focar em minimizar esses inconvenientes."

A crise ocorre no momento de grave tensão com a Coreia do Norte, cujo ditador Kim Jon-un recrudesceu a retórica militarista e até explodiu estradas que ligavam os dois países. Kim assinou um polêmico acordo de defesa mútua com a Rússia de Vladimir Putin e aparentemente enviou soldados para lutar na Ucrânia.

Os Estados Unidos, principais fiadores de Seul, disseram estar "monitorando a situação", segundo a Casa Branca. Yoon é um aliado próximo de Washington, vital para a estratégia americana de tentar conter a China no teatro da Ásia-Pacífico.

Desde o governo anterior ao de Yoon, Washington elevou a retórica contra Pyongyang. No ano passado, colocou os sul-coreanos no comitê que define o uso de armas nucleares em caso de um ataque do Norte, atraindo críticas da Rússia e da China, aliadas de Kim.

Transição energética no transporte pede mais cooperação internacional para superar barreiras ao etanol, Agência Fapesp (definitivo)

 José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A transição energética ainda não ocorreu no setor de transportes. Em uma década, de 2011 a 2021, o segmento renovável no consumo energético do transporte global sobre pneus evoluiu de 2,6% para apenas 3,9%. Em um contexto de crise climática, que exige respostas urgentes e ousadas, um aumento dessa ordem pode ser considerado irrisório, para não dizer vergonhoso. “O transporte permanece atavicamente vinculado ao petróleo”, disse o pesquisador Luiz Augusto Horta Nogueira na 10ª Conferência FAPESP 2024 .

Ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Horta Nogueira é professor de sistemas energéticos na Universidade Federal de Itajubá (Unifei), pesquisador associado do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade Estadual de Campinas (Nipe-Unicamp) e consultor em agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e de bancos de desenvolvimento. Sua conferência, que tratou do tema “O Futuro dos Combustíveis para a Mobilidade no Brasil”, foi a última deste ano. Ele enfatizou a necessidade de soluções sustentáveis para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Circulam atualmente pelo mundo cerca de 1,4 bilhão de veículos. No Brasil, são aproximadamente 100 milhões de veículos registrados – o que dá uma média de quase um veículo para cada duas pessoas. A necessidade de descarbonização do setor é premente. Para isso, Horta Nogueira defendeu uma solução híbrida, que conjugue as virtudes da eletricidade e dos biocombustíveis. “A ideia de que o motor a combustão interna será completamente substituído em pouco tempo não é realista. Em vez disso, precisamos olhar para soluções intermediárias, como os veículos híbridos, que unem o melhor de dois mundos”, argumentou.

O carro elétrico tem um grande torque de partida, que possibilita transitar rapidamente da velocidade zero à velocidade de cruzeiro. E tem frenagem regenerativa, que possibilita gerar eletricidade e recarregar a bateria com a energia cinética subtraída das rodas. Já os biocombustíveis permitem gerar eletricidade no próprio veículo, reduzindo drasticamente o tamanho e o peso das baterias e agilizando o processo de recarga. “Os veículos híbridos são mais econômicos, produzem menor impacto ambiental no ciclo de vida e oferecem maior autonomia em comparação aos veículos elétricos puros”, afirmou Horta Nogueira.

E destacou como solução ideal os híbridos plug-in, que combinam motor elétrico e motor a combustão e podem ser recarregados tanto internamente, a partir do funcionamento do motor a combustão, quanto externamente, em tomadas ou estações de carregamento. “Com o uso de etanol como combustível, esses veículos permitem reduzir drasticamente a emissão de gases de efeito estufa”, falou.

Além das baixas emissões, Horta Nogueira destacou outras vantagens do etanol em comparação com a gasolina, especialmente em motores de ciclo Atkinson, utilizados em veículos híbridos. Ele explicou que o etanol tem maior resistência à detonação e permite maior eficiência térmica nos motores, o que resulta em desempenho superior. “Hoje, como combustível puro ou adicionado à gasolina, o etanol é usado em mais de 70 países, e o Brasil tem um papel de liderança nesse mercado. Nossa experiência com motores flex e nossa tecnologia avançada nos colocam em posição privilegiada para liderar a transição global para biocombustíveis", enfatizou.

Outro tópico destacado foi o impacto social e econômico da bioenergia. “A produção de etanol gera até seis vezes mais empregos por unidade de energia em comparação aos combustíveis fósseis. Além disso, contribui para fixar as populações no campo e desenvolver as regiões produtoras”, ressaltou.

Apesar das vantagens, Horta Nogueira alertou para os desafios que ainda precisam ser enfrentados. Entre eles, destacou a distribuição desigual do etanol, tanto no Brasil quanto no mundo, a dependência de fertilizantes importados na produção agrícola e a competição com combustíveis sintéticos em mercados como a Europa. Além disso, criticou políticas públicas que favorecem veículos elétricos puros sem considerar o ciclo de vida completo, desde a produção até o descarte das baterias. “Precisamos de políticas públicas que reconheçam as vantagens do etanol e incentivem seu uso, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. A hibridação é o caminho mais racional para reduzir as emissões no transporte”, falou.

Horta Nogueira também mencionou o potencial de países da África Subsaariana e da América Latina para expandir a produção de biocombustíveis de forma sustentável. E argumentou que uma maior cooperação internacional é essencial para superar barreiras políticas e econômicas que impedem o uso mais amplo do etanol. “É um paradoxo que países como a Guatemala, que é grande exportadora de etanol, não utilizem esse combustível em sua matriz interna. Isso reflete a necessidade de maior esclarecimento, dados objetivos e políticas coerentes”, disse.

O pesquisador ponderou que o etanol, associado a veículos híbridos, não é apenas uma solução para o Brasil, mas uma resposta global à crise climática e à necessidade de mobilidade sustentável. Ele informou que o país já possui instrumentos importantes, como o RenovaBio, a Política Nacional de Biocombustíveis, para certificar a sustentabilidade da produção e consolidar sua liderança no mercado de biocombustíveis. “O futuro da mobilidade está em nossas mãos, e o Brasil tem todas as condições de ser protagonista nessa transformação”, finalizou.

Leia mais sobre o tema na entrevista concedida por Horta Nogueira à Agência FAPESP: “Em vez de elétricos puros, veículos híbridos, com biocombustíveis, são o futuro, diz especialista”.

A 10ª Conferência FAPESP 2024 foi aberta por Carmino Antonio de Souza, vice-presidente da FAPESP, representando o presidente, Marco Antonio Zago. Teve a participação do professor Fernando Ferreira Costa, coordenador da Comissão Organizadora das Conferências FAPESP e Escolas FAPESP. E foi moderada pelos professores Rubens Maciel Filho, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Ciro Antonio Rosolem, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A conferência pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=D3tov6CeRvA&t=293s.