quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Fernando Schüler O recado das urnas, FSP

 Artur Rodrigues

SÃO PAULO

Após a derrota de seu candidato no primeiro turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo, o presidente Jair Bolsonaro ganhou espaço nesta quarta-feira (18) em falas de Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL), que disputam o segundo turno.

O tucano, que busca a reeleição, tentou se desvincular do presidente após receber apoio de Celso Russomanno (Republicanos), que teve Bolsonaro como garoto-propaganda e terminou em quarto lugar. O titular do Planalto é adversário do governador João Doria (PSDB), avalista de Covas.

O líder de movimentos de moradia, por sua vez, usou a aliança para atacar o rival, dizendo que a parceria entre Covas e Russomanno é uma repetição da dobradinha "BolsoDoria", usada pelo governador na eleição estadual de 2018.

O candidato Guilherme Boulos (PSOL) faz caminhada pelo centro acompanhado de Jilmar Tatto (PT) e Orlando Silva (PC do B) - Foto Marlene Bergamo/Folhapress

Ao mesmo tempo em que ataca o aliado do tucano, Boulos vem sendo questionado por apoios que conquistou no segundo turno, sobretudo o do ex-presidente Lula (PT). Nesta quarta, sua campanha também recebeu as adesões do PDT e da Rede Sustentabilidade.

Em ato de campanha no Jardim Ângela (zona sul), Covas reagiu às críticas de que estaria se aproximando de Bolsonaro. Nos últimos dias, fotos dele ao lado do presidente circularam em redes sociais difundidas por apoiadores de Boulos.

As imagens têm sido usadas para desconstruir a imagem de moderado que Covas busca vender. Já a campanha do PSDB tenta colar no candidato do PSOL a pecha de radical, explorando sua atuação em movimentos sociais e a relação com Lula.

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"Não sou biruta de aeroporto para mudar conforme a orientação de vento", disse o tucano. "Sou o mesmo Bruno fora da campanha, no primeiro turno, no segundo turno. Anulei meu voto na eleição presidencial de 2018 por não ver no Bolsonaro nenhum discurso que agregasse valores democráticos na campanha dele."

Covas afirmou ter se posicionado contra ações do presidente em vários momentos, como quando disse que vetaria mudanças em livros didáticos que significassem revisionismo da ditadura militar no Brasil (1964-1985).

Bruno Covas (PSDB) durante visita ao comércio do Jardim Ranieri, na zona sul - Zanone Fraissat/Folhapress

Russomanno, que fez duras críticas à gestão Covas durante o primeiro turno e chegou a fazer uma insinuação sobre a saúde do prefeito, que tem câncer, chegou a ser cogitado para a vaga de vice do postulante à reeleição, mas decidiu lançar candidatura após o incentivo de Bolsonaro.

"O apoio do Russomanno ajuda, não há a menor dúvida. Dele e do Republicanos. Ele teve 10% dos votos aqui", declarou Covas, negando desconforto. "Não há nenhum problema em agregar apoios nesse segundo turno."

O tucano também se envolveu em uma discussão no Twitter com o youtuber Felipe Neto, na terça-feira (17), para rechaçar o rótulo de bolsonarista sugerido pelo influenciador digital em uma publicação.

"Admiro seu trabalho, mas acho que você não conhece minha trajetória. Não votei no Bolsonaro. Convido você a conhecer meu programa de governo para ver nossas propostas que priorizam o combate às desigualdades, o respeito à diversidade e a defesa dos direitos humanos", escreveu o prefeito.

Felipe Neto, que mora no Rio de Janeiro e declarou apoio a Boulos, rebateu: "Pra cima de mim, Covas? Você e Doria podem dar as mãos e desaparecer da política brasileira. Não farão absolutamente nenhuma falta".

Boulos, em caminhada com apoiadores no centro, disse que a adesão de Russomanno à campanha do PSDB "não foi nenhuma surpresa". Opositor do governo federal, ele tem repetido a narrativa de que a derrota do bolsonarismo começará por São Paulo, com sua vitória.

"É o BolsoDoria versão 2020. Essa aliança, em que estavam um pouco separados por projetos eleitorais e questões pessoais, se refez. O Bruno Covas é o João Doria, e o Russomanno é o Bolsonaro, deixou isso muito claro no primeiro turno", discursou. Em um carro de som, falou que os dois lados "se merecem".

O candidato estava acompanhado de dois candidatos derrotados no primeiro turno que agora o apoiam, Jilmar Tatto (PT) e Orlando Silva (PC do B). Ambos também fizeram ataques aos governos Bolsonaro, Doria e Covas.

Além dos dois partidos, o PSOL, que trabalha pela formação de uma frente de esquerda, obteve nesta quarta a declaração de apoio dos diretórios municipais do PDT, partido que compôs a coligação de Márcio França (PSB), e da Rede, que lançou a candidatura a prefeita da deputada estadual Marina Helou.

O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, selou a parceria com o PDT em encontro na capital com Antonio Neto, que foi vice de França.

O representante do PSB deve anunciar nesta quinta-feira (19) seu posicionamento. A direção nacional da legenda impõe obstáculos à dobradinha com o PSOL em São Paulo, mas o deixou livre para resolver. França disse à Folha que só se decidirá após ouvir os dirigentes e governadores da sigla.

A adesão de mais líderes nacionais também é esperada. O ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT) já disse que apoia Boulos, mas aguarda um posicionamento do PSB, do qual é aliado, para oficializar o embarque.

A ex-presidenciável Marina Silva (Rede), endossou nas redes sociais o apoio de seu partido ao candidato, mencionando valores como democracia e combate à desigualdade.

A estratégia do PSOL é dar um peso semelhante a todos os endossos, para evitar que Boulos seja prejudicado eleitoralmente por algum dos apoiadores, sobretudo Lula. A campanha do PSDB já utiliza sua amizade com o ex-presidente para desgastá-lo e sugerir que o PT voltará ao poder caso ele vença.

"Eu não escondo nenhum tipo de apoiador, nenhum tipo de aliado", disse Boulos em sabatina do jornal O Estado de S. Paulo.

Segundo pesquisa Datafolha de outubro, 54% dos paulistanos disseram não votar em um candidato apoiado pelo petista.

Boulos fez críticas ao governo Lula durante sua gestão, mas os dois se aproximaram sobretudo nas mobilizações contra a prisão do ex-presidente, em 2018. O petista colocou o líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) no palanque, com mais destaque até do que alguns de seus correligionários.

Lula encorajou o partido a tentar convencer Tatto a abrir mão de sua candidatura em favor de Boulos, que aparecia mais competitivo. O ex-presidente, no domingo (15), responsabilizou Tatto pela decisão de manter a candidatura, o que foi visto como gesto de ingratidão.

Com o PDT entre os participantes da frente, Boulos terá que engolir as críticas que fez ao líder mais expressivo da legenda, Ciro Gomes. Após a eleição de 2018, derrotado nas urnas, ele viajou para a Europa e não fez campanha para Fernando Haddad (PT) contra Bolsonaro.

“Não existe neutralidade diante do horror. Neutralidade diante do horror é cumplicidade”, disse Boulos em entrevista à Jovem Pan na época.

O eventual apoio de Márcio França também tem potencial para causar saia justa, já que, ao longo do primeiro turno, o representante do PSOL buscou pintar o ex-governador como alguém de direita, lembrando o fato de ele ter sido vice de Geraldo Alckmin (PSDB) no Palácio dos Bandeirantes.

Outro apoio que pode trazer problemas para Boulos está na coligação com o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e UP (Unidade Popular). Na briga contra Covas, ele vem tentando desconstruir a imagem de extremista, mas as agremiações aliadas se assumem como radicais e defendem pautas de uma revolução socialista.

Do lado de Covas, o cabo eleitoral mais incômodo é Doria. O candidato à reeleição só virou prefeito porque entrou em uma chapa como vice de Doria, que, pouco mais de um ano depois, renunciou ao cargo depois de eleito para disputar a eleição para governador.

Segundo pesquisa Datafolha, 39% dos paulistanos rejeitam o governador. Por isso, Covas escondeu o padrinho político durante todo o primeiro turno.

Os adversários se aproveitaram disso e tentaram em debates e entrevistas associar as duas figuras, com direito a chamar o candidato de "BrunoDoria".

Covas se defendia dizendo que Doria não poderia largar a funções de governador para entrar na campanha. Sua equipe afirmava ainda que a imagem dos dois já é suficientemente ligada, com o prefeito participando de coletivas todas as semanas na sede do governo.

Em resposta às críticas por ter escondido o padrinho, entretanto, Covas fez o primeiro discurso após o resultado de domingo ao lado de Doria.

LIGAÇÕES INCÔMODAS

BRUNO COVAS

  • JOÃO DORIA
  • Padrinho político, Covas foi seu vice
  • Tem alta rejeição depois que abandonou a prefeitura; 60% dos moradores de SP não votariam em candidato apoiado por ele
  • Foi apagado da propaganda eleitoral no 1º turno
  • JAIR BOLSONARO
  • Covas postou fotos nas redes com o presidente
  • Doria, seu padrinho político, foi eleito com ‘BolsoDoria’
  • Prefeito hoje diz fazer oposição ao presidente e afirma que votou nulo em 2018
  • CELSO RUSSOMANNO
  • Candidato viu rejeição crescer, chegando a 49%
  • Russomanno fez críticas duras a Covas durante o primeiro turno para agradar a base bolsonarista
  • Partido dele, o Republicanos, tem membros suspeitos de ligação com o PCC e de irregularidades no poder público

GUILHERME BOULOS

  • LULA
  • Boulos e o petista ficaram próximos nos protestos contra a prisão do ex-presidente
  • Petista foi a favor de que Tatto desistisse da candidatura em favor de Boulos
  • 54% dos moradores de São Paulo não votariam em candidato apoiado por ele
  • PDT E CIRO GOMES
  • Apoiou Márcio França (PDB), que foi vice de Alckmin (PSDB) e acenou para Bolsonaro
  • Boulos chamou Ciro de conivente com Bolsonaro por não embarcar na campanha de Haddad em 2018
  • Ciro e Lula rivalizam a respeito de unidade da esquerda e hegemonia petista
  • PCB e UP
  • Fazem parte da coligação do PSOL
  • Se dizem radicais, título do qual Boulos tenta se desvencilhar
  • Defendem pautas de uma revolução socialista, como controle dos meios de produção de setores estratégicos

Fernando Schüler- O recado das urnas, FSP

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O ministro Luiz Eduardo Ramos disse que os aliados do governo venceram as eleições. Mencionou o crescimento de prefeituras do DEM, PP e PSD, bem como o encolhimento do PT e concluiu: a turma que segue as “pautas e ideias” de Bolsonaro ganhou o jogo.

Há vários problemas aí. O primeiro é saber exatamente quais são as pautas e ideias do governo. Por vezes o suporte do governo, e em particular do presidente, à sua própria agenda de reformas se parece com o apoio de Bolsonaro ao prefeito Crivella: “Se não quiser não vota, tranquilo”.

É verdade que os partidos tradicionais foram vencedores. A Folha identificou uma tendência significativa de deslocamento à direita dos novos prefeitos. Há muitos significados nisso. Um deles diz simplesmente que esta foi uma eleição de baixa propensão a risco. É a tese levantada pelo professor Carlos Pereira: diante da pandemia e do espectro da morte, o eleitor tende a recuar da lógica do confronto e se afastar das “saídas polares”.

Há uma explicação mais pragmática: DEM, PP e PSD trabalharam forte e foram os partidos que mais cresceram com o troca-troca partidário entre as eleições. Só o DEM passou de 272 para 456 prefeitos, já antes das eleições, basicamente puxados por governadores eleitos pelo partido, em 2018. O resultado obtido agora é em boa medida uma consequência disso.

O ponto é que a interpretação dada pelo ministro Ramos põe um detalhe para baixo do tapete: o bolsonarismo virtualmente não apareceu nessas eleições. É evidente que há candidatos identificados com Bolsonaro, alguns com relativo sucesso. Nas 18 capitais com segundo turno há no mínimo cinco com candidaturas claramente identificadas com o presidente e seu estilo. Mas, cá entre nós, frente ao que vimos há dois anos, é muito pouco.

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O próprio bolsonarismo reconhece isso. Filipe Martins, assessor internacional de Bolsonaro e geralmente visto como ideólogo do grupo, pediu “autocrítica” aos conservadores e conclamou a turma a “recuperar os ideais e bandeiras de 2018”.

Vai aí o problema. O que a eleição revela é que os tais princípios de 2018 talvez não tenham lá grande profundidade. O conservadorismo de Bolsonaro nunca produziu muita coisa, no governo, e o que se anunciava como sua agenda no Congresso (escola sem partido, redução da maioridade penal, liberação do porte de armas) nunca andou.

No Brasil recente, se confundiu conservadorismo com palavras de ordem do tradicionalismo de costumes (não raro misturado com religião). Vem daí o completo desinteresse de Bolsonaro em criar a Aliança pelo Brasil e sua acomodação junto aos partidos do centrão.

O mesmo vale para a agenda econômica. Paulo Guedes pode ser um histórico do liberalismo brasileiro e de algum modo ainda funciona como fiador da pauta de reformas junto ao mercado, mas vamos convir: terminamos o ano com menos consenso sobre reforma tributária do que parecíamos ter antes da pandemia; a reforma administrativa, além de tímida, se arrasta, e as privatizações, dois anos depois, quando muito prosseguem como um “ideal” do governo.

Em meio a este quadro, Bolsonaro resolveu improvisar. Bem a seu estilo, mencionou alguns candidatos, em suas lives, fez escolhas erradas, desconsiderou aliados políticos no Congresso e colheu um resultado melancólico.

O que estas eleições fizeram foi acender uma luz amarela no Planalto. A avaliação positiva de Bolsonaro caiu entre 15% e 20% desde o início da campanha, a agenda de reformas está parada e não há sinal sobre o que o governo fará com o auxílio emergencial a partir de janeiro.

Talvez o governo se dê conta disso e comece a trabalhar com algum senso de urgência no Congresso. O recado das urnas parece claro: ganha força o espectro de um centro político que, sabendo capturar a agenda reformista, pode começar a se mover por conta própria e produzir uma alternativa para 2022, distante simultaneamente da esquerda e do bolsonarismo.

Para Bolsonaro, que depende da lógica da polarização para sobreviver, este é o principal recado que surge das urnas. ​

Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

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