terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Fuga para o Planalto, O Globo


POR MÍRIAM LEITÃO
O grande risco com o Lula não é o radicalismo. Ele nunca foi radical, tanto que, como disse em entrevista na última semana: “Esse mercado injusto que nunca me agradeceu com o tanto que ganhou.” Deveria também ter cobrado gratidão das empresas em geral, porque nos 13 anos do governo petista os benefícios para o capital foram de 3% do PIB para 4,5% ao ano, um aumento, ao PIB de 2015, de R$ 90 bilhões.
Na entrevista, em que convidou um grupo de jornalistas para um café da manhã, o ex-presidente disse: “Eu não tenho cara de radical, nem o radicalismo fica bem em mim.” De fato. Não é esse o problema. O risco Lula é institucional. Já condenado em primeira instância, réu em mais 5 processos, denunciado em outros, sua estratégia é a fuga para o Planalto, único local onde poderá escapar de todas as ações, todas as investigações, onde terá autoridade sobre a Polícia Federal, e poderá minar o poder do Ministério Público. O Brasil se transformará num país em que a impunidade será coroada se o réu chegar à Presidência da República.
Ele tem usado a candidatura como defesa nas ações a que responde na Justiça. Provavelmente calcula que quanto maiores forem suas intenções de voto mais inatingível ficará, mais poderá usar a versão de que é um perseguido político.
Contudo, a Justiça terá que decidir diante das provas e dos autos e agora a palavra está com o TRF-4. Mesmo na hipótese de ser absolvido, há outros processos contra ele. Lula se define como uma pessoa “mais conhecida que uma nota de R$ 10”, e tenta usar essa notoriedade para se blindar. Vai se aproveitar do tempo jurídico e das muitas possibilidades recursais em seu favor. “Se eles cometerem a barbaridade jurídica de me condenar tenho ‘n’ recursos para fazer, e vou continuar viajando.”
A Justiça Eleitoral tem aceitado, inexplicavelmente inerte, à campanha presidencial antes da hora. Também nada faz contra a descarada campanha de Jair Bolsonaro. Isso cria a distorção de punir quem cumpre a lei, e favorecer quem a ofende. “O mundo é dos espertos”, disse recentemente o técnico Renato Gaúcho, do Grêmio, ao ser apanhado espionando adversários com drones. A tese do técnico tem se confirmado porque as intenções de voto colocam Lula e Bolsonaro nos primeiros lugares. Pelo visto, bobo é quem cumpre a lei eleitoral.
Ao dar os primeiros toques do que seria seu programa, ele, de novo, recorre à demagogia. “Por que o povo pobre tem que pagar mais imposto de renda do que o povo rico. Por que o rentismo não paga imposto de renda sobre o que ele ganha? Por que a gente não pode começar a pensar em uma política tributária em que as pessoas mais humildes paguem menos e os mais aquinhoados paguem mais? Por que não se coloca em prática a questão do imposto sobre as grandes fortunas? Parece radicalidade, mas não é.” Faltou uma pergunta: por que em 13 anos, quatro meses e 11 dias de governo, o PT não teve tempo de fazer o que ele propõe? Fez o oposto. As deduções de imposto para os grandes grupos e setores empresariais, as transferências através de empréstimo subsidiado, a elevação da dívida pública para aumentar em meio trilhão a capacidade de o BNDES dar crédito barato para grandes empresas, como JBS, grupo X, Odebrecht e outros, foram as grandes marcas dos governos petistas na economia. O programa econômico executado por ele e sua sucessora foi regressivo. Gastou-se mais dinheiro público com os muito ricos.
Lula prepara os truques com os quais vai responder às suas incoerências. Culpou o PT pela foto que tirou com Maluf. “Quando Haddad foi candidato a prefeito em 2012 eu estava com câncer, inchado e foram me tirar de casa para uma fotografia com Maluf.”
Ele se comporta como se o país tivesse amnésia coletiva. Propôs mudar tudo através de uma Constituinte, acusando a “elite”de ter feito uma nova Constituição desde 1988. O PT governou em quase metade desse tempo. Critica a atual gestão da Petrobras como se não tivesse acontecido nas gestões petistas o maior escândalo de corrupção da história do país.
Há todos os disfarces e truques de sempre, a demagogia costumeira, mas estes não são os maiores riscos, e sim um fato de que ele tem contas a acertar com a Justiça e tenta, como defesa, a fuga para a Presidência da República.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

EDITORIAL Gratuidade ilusória, FSP

Há escassa surpresa na constatação, em pesquisa Datafolha, de que os contribuintes paulistas defendem a continuidade do ensino gratuito nas universidades públicas estaduais. Já assoberbados com a sobrecarga tributária, não admitem pagar por um direito que seria obrigação do Estado respeitar.
O princípio está inscrito no artigo 206 da Constituição, que determina a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Como aí não se faz distinção entre os níveis fundamental, médio e universitário de ensino, decorre que a ideia de cobrar mensalidades no terceiro grau dependeria de alteração constitucional.
Não espanta, assim, que expressivos 70% dos jovens de 16 a 24 anos defendam a manutenção do dispositivo da Carta Maior. Desprovidos de renda própria ou entrando pelo estrato inferior no mercado de trabalho, é compreensível que enxerguem na universidade pública —e gratuita— sua grande chance de ascensão socioeconômica.
Na média da população, a opinião se matiza significativamente. Ainda há maioria a favor da gratuidade, mas bem menos evidente (57%). Consideráveis 43%, afinal, apoiam o desembolso de mensalidades por aqueles cujas famílias tenham condição de pagar.
Não é improvável que esse contingente se amplie e se converta, eventualmente, em maioria. É aguda a consciência do público quanto à precária situação financeira das universidades paulistas: meros 17% a consideram ótima ou boa, e 74% avaliam-na como ruim, péssima ou apenas regular.
Com efeito, todas as três instituições estaduais (USP, Unicamp e Unesp) comprometem com a folha de pagamentos 98% ou mais da receita que lhes assegura o Tesouro (9,57% da arrecadação de ICMS). Sem recursos para investir, torna-se inevitável a queda da qualidade no ensino e na pesquisa.
Cobrar mensalidades de quem possa pagar decerto não constitui uma panaceia nem resolverá a condição de quase insolvência dessas universidades públicas, nem de quaisquer de suas congêneres.
Trata-se, desde logo, de uma questão de equidade: com o número limitado de vagas, elas acabam ocupadas de forma preponderante por alunos mais preparados, vale dizer, aqueles com recursos para pagar as melhores escolas de ensino médio.
Chamar de gratuito o ensino nessas instituições representa uma falácia: os alunos podem não pagar por ele, embora sejam seus maiores beneficiários, mas o investimento neles onera todos os cidadãos.
Ao fim e ao cabo, transfere-se renda de toda a sociedade para grupos mais abonados, agravando a desigualdade brasileira.

A hora e a vez da política, Carlos Melo, OESP





Na realidade dura e crua, a economia poderá fazer pouco pela política em 2018










Carlos Melo *, O Estado de S.Paulo
24 Dezembro 2017 | 05h00


Urnas
Efeitos sobre a política. Crescimento em 2018, mesmo se vier, deve ter impacto limitado na próxima eleição Foto: RODOLFO BUHRER/FOTOARENA
A suposta supremacia da economia sobre a política povoou o senso comum durante muito tempo. A frase de James Carville, assessor de Bill Clinton, ainda ressoa: “é a economia, estúpido” fez escola na percepção da prevalência dos tais fatores de bem-estar econômico sobre o rondó sem fim, que é a discussão política – seus interesses dispersos, idiossincrasias e princípios mais ou menos abstratos.
No Brasil, esse sentimento foi reforçado por interpretações um tanto mecânicas dos planos Cruzado e Real. O primeiro, em 1986, ajudou o PMDB a eleger 22 governadores dentre 23 possíveis; o segundo fez Fernando Henrique Cardoso presidente da República, eleito ainda no primeiro turno de 1994.
Igualmente, o boom de commodities – que reelegeu Lula, em 2006, e operou o prodígio de eleger Dilma Rousseff duas vezes (2010 e 2014) presidente do Brasil – alimenta esse raciocínio. Além da presente crise econômica que contribuiu, decisivamente, para o afastamento da ex-presidente e a derrocada do PT nas eleições municipais de 2016.
Ora, é evidente que o momento econômico influencia o contexto social e político em qualquer país; é claro que pode definir eleições. Mas, como tudo na vida, nada é tão simples assim. Fenômenos econômicos como os descritos acima foram, antes, dependentes da política; são frutos de boas ou más escolhas políticas, e não o contrário. Logo, não há autonomia da economia sobre a política; há, na verdade, correlação e dependência mútuas.
No desconhecimento disso reside o principal erro analítico de quem vislumbrou e ainda vislumbra um ano eleitoral de 2018 de sucesso para o governo de Michel Temer, em virtude dos resultados econômicos que, eventualmente, o País possa alcançar nos próximos meses.
Primeiro porque, ao contrário de outros momentos – 1986, 1994 e 2010 –, o sistema político atual passa por uma crise sem registro na história, com índices rastejantes de popularidade. É dispensável recordar, aqui, os transtornos revelados pela Operação Lava Jato e seus efeitos para a credibilidade dos políticos.
Em segundo lugar, para que a economia possa ser determinante na disputa das urnas do próximo ano, sua euforia deveria ser comparável ao clima despertado pelo Cruzado, Real e o boom de commodities. Todavia, por mais que o quadro venha a ser positivo, o clima será, ainda, de recuperação. Para o cidadão comum, as perdas com a prolongada recessão não estarão plenamente compensadas. Será importante, mas insuficiente.
Analistas de mercado têm se animado com resultados já alcançados pela equipe econômica do governo e, provavelmente, ainda alcançáveis no próximo ano. Com efeito, a inflação retroagiu – está mesmo abaixo da meta do Copom, os juros caíram ao menor patamar histórico, os preços dos ativos estão baixos e é grande o potencial das concessões e privatizações.
Porém, a continuidade do processo depende da sustentabilidade política. Reformas estruturais, nas mãos do Congresso Nacional, capazes de elevar a confiança dos agentes econômicos e o ânimo para investimentos que potencializem a economia, reduzindo gargalos e higienizando o ambiente de negócios.
O quadro é, porém, conhecido: sistema político anacrônico e disfuncional, elevadíssimas taxas morais e fiscais que debilitam a confiança de eleitores e investidores. Um corpo político fraco, com enorme dificuldade para dar luz ao novo, no campo econômico. E nem se trata de crítica moral ao natural fisiologismo de qualquer sistema, as de alerta para o estágio de hiperfisiologismo, com crescente ineficácia nos processos de discussão, negociação e aprovação de projetos.
Impõe-se um dilema: como ajudar a economia a ajudar a política se a política não apenas não se ajuda como também compromete a economia? É evidente que abrir mão da política e da democracia não são alternativas.
Dizem a literatura e a experiência internacionais que o principal dado econômico, com capacidade de influenciar eleições, são os índices de emprego. Quanto menores, maior o receio do futuro e pior o humor do eleitor, maior sua tendência ao protesto e à mudança – ou à nostalgia do passado, idealizado como “bons tempos”. Neste quesito, o desempenho nacional é ainda insatisfatório: haverá tempo para reverter o processo com a celeridade necessária para interferir no clima eleitoral?
Políticas públicas como segurança, saúde e educação são fundamentais, sobretudo num quadro de desemprego elevado. Como estarão as finanças de Estados e municípios, responsáveis e provedores de políticas desse tipo? Embora relevante, neste 2018 que se aproxima, a economia dependerá mais da política do que o contrário. Na realidade dura e crua, a economia poderá fazer pouco pela política.
O fato é que o País perdeu o timing do choque de expectativas, após o impeachment. Mais recentemente, perdeu também o ritmo das reformas. No autoengano houve desídia do mercado, embaraço moral e oportunismo do sistema político, ilusão e desconhecimento daqueles que, mais uma vez, negligenciaram importantes detalhes políticos. Isto tudo retirou da economia todo ou parte do potencial eleitoral que teria.
Óbvio que candidatos do autodenominado “centro democrático” tocarão o bumbo da recuperação econômica. Naturalmente, o presidente e sua base já tremulam bandeiras de um suposto legado econômico – qual seria o “legado” político? –, mas isso pode ser menos relevante do que gostariam.
Candidatos de oposição enfatizarão problemas econômicos, lacunas e insatisfações, apontando também o agravamento de questões sociais. E, claro, aqueles que puderem cuspir para o alto destacarão as mazelas e a deterioração da credibilidade do sistema.
A pregação econômica, metódica e racional, do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ou do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, fala à razão de iniciados em relatórios e projeções econômicas, alegra convertidos. Mas, enquanto isso tudo não for percebido concretamente no cotidiano das pessoas comuns, o efeito eleitoral será pequeno. No Brasil, tudo é duvidoso, mas o mais provável é que 2018 seja o ano da política.