Para os críticos, a globalização só beneficia a elite, mas um eventual fechamento das fronteiras afetará os mais pobres
The Economist,
O Estado de S.Paulo
O Estado de S.Paulo
09 Outubro 2016 | 05h00
Em setembro de 1843, o jornal Liverpool Mercurypublicou uma reportagem sobre um comício em defesa do livre-comércio. O Anfiteatro Real da cidade estava abarrotado. John Bright, um dos maiores oradores de sua geração, recentemente eleito para a Câmara dos Comuns, falou sobre os benefícios resultantes da eliminação dos impostos sobre alimentos importados, ecoando argumentos veiculados por The Economist, cujo primeiro número fora lançado no início daquele mês.
Bright contou aos presentes que, durante a campanha eleitoral, empenhara-se em explicar aos eleitores como “pedreiros, sapateiros, marceneiros e todo tipo de artesão são punidos quando um país restringe suas relações comerciais”. O discurso foi recebido com entusiasmo.
Passados 173 anos, é difícil imaginar um político de destaque sendo aclamado por fazer a defesa do livre-comércio. Nas eleições americanas deste ano, nenhum dos candidatos à Casa Branca levanta essa bandeira. E, do outro lado do Atlântico, na Alemanha, uma das maiores nações exportadoras do mundo, milhares de pessoas foram às ruas, há duas semanas, para protestar contra uma proposta de acordo comercial entre UE e EUA.
A onda de sentimento protecionista é só um dos sintomas da ansiedade generalizada com as consequências da globalização. No referendo de junho, ao apoiar a proposta de que o Reino Unido deixasse a UE, os eleitores britânicos estavam dando vazão a suas preocupações com o impacto da migração sobre os serviços públicos, os empregos e a identidade cultural do país.
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São os mais pobres que mais ganham com o livre-comércio. Do fim da 2.ª Guerra para cá, observou-se, no mundo inteiro, enorme melhoria nos padrões de vida, e isso se deve, em grande medida, à forte expansão do comércio internacional. As exportações de mercadorias, que representavam 8% do PIB mundial em 1950, constituem, meio século depois, quase 20% de toda a riqueza produzida no planeta. O crescimento movido a exportações e investimentos estrangeiros tirou centenas de milhões de chineses da pobreza, além de ter transformado a economia de países como Irlanda e Coreia do Sul.
É claro que, para os eleitores do mundo desenvolvido, o avanço extraordinário experimentado pelos mercados emergentes não serve de consolo. Mas o livre-comércio também trouxe benefícios inegáveis para os países ricos. As empresas com atividade exportadora são mais produtivas e pagam salários mais elevados do que as que se concentram no mercado interno. Metade das exportações americanas são destinadas a países com os quais os EUA têm acordos de livre comércio, ainda que suas economias representem menos de 10% do PIB mundial.
Por sua vez, o protecionismo prejudica os consumidores e traz pouco alento para os trabalhadores. Os mais pobres ganham mais com o comércio do que os ricos. Estudo feito em 40 países mostra que, se as trocas internacionais fossem suspensas, os consumidores de renda mais elevada perderiam 28% do poder aquisitivo; entre os 10% mais pobres, a perda chegaria a 63%. Segundo o Peterson Institute for International Economics, a decisão de impor tarifas antidumping às importações de pneus chineses, tomada por Barack Obama em 2009, representou para os consumidores americanos um custo anual de aproximadamente US$ 1,1 bilhão. É mais de US$ 900 mil para cada um dos 1,2 mil empregos “salvos” pela medida.
Como ficam os que perdem com a globalização? Não se quer, com isso, negar que a globalização tenha seus defeitos. Desde a década de 1840, os defensores do livre-comércio sabem que, embora a grande maioria da população seja beneficiada, há quem saia perdendo. E os países desenvolvidos têm feito muito pouco para ajudar essas pessoas. As exportações chinesas talvez sejam responsáveis por 20% da perda líquida de cerca de 6 milhões de empregos, registrada pelo setor industrial americano entre 1999 e 2011. No Reino Unido, os políticos não se deram conta de que, com a chegada de imigrantes provenientes dos países do Leste Europeu que ingressaram na UE em 2004, os serviços públicos ficariam sobrecarregados.
Há muito a fazer para enfrentar os aspectos negativos da globalização. Os EUA gastam apenas 0,1% de seu PIB, ou um sexto da média dos países desenvolvidos, com programas voltados para a requalificação e recolocação profissional de seus trabalhadores. Em vista disso, é lamentável que Trump e Hillary não tenham apresentado propostas para socorrer os americanos cujos empregos foram afetados pelas importações ou por tecnologias mais baratas.
No tocante à migração, seria razoável seguir o exemplo da Dinamarca, que vincula as receitas das administrações municipais ao número de imigrantes que cada cidade pode receber, de maneira a aliviar a pressão sobre os sistemas educacional, hospitalar e habitacional. Muitos veem a supraconstitucionalidade dos tratados comerciais, que assumem caráter obrigatório e vinculante para seus signatários, como uma afronta à democracia. Mas há casos em que normas compartilhadas fortalecem a autonomia nacional.
Essas são respostas sensatas aos mascates do protecionismo e da xenofobia. A causa da abertura econômica não é menos boa agora do que na época em que The Economist foi fundada, no âmbito da campanha pela revogação das Corn Laws (que, entre 1815 e 1846, impuseram restrições e tarifas às importações britânicas de grãos). Nas economias abertas, as oportunidades são mais abundantes e variadas do que nas fechadas. E, em geral, quanto mais oportunidades as pessoas têm, melhor é sua vida. Desde os anos 1840, os defensores do livre-comércio dizem que as economias fechadas favorecem os poderosos e prejudicam a classe trabalhadora: tinham razão naquela altura e têm razão agora.
© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.