domingo, 2 de dezembro de 2012

Inculta, bela e escanteada - WALNICE NOGUEIRA GALVÃO


O Estado de S.Paulo - 02/12


Na reforma do ensino superior na UE, a diretriz é deixar definhar o ensino do português, sem guilhotina e sem alarde



Encontra-se em curso já há alguns anos uma vasta reforma do ensino superior na União Europeia. Ficou conhecida por Protocolo de Bolonha e tem por objetivo uniformizar os currículos de todos os países-membros.

Não há dúvida, como sempre que se uniformiza material heterogêneo, que se trata de um nivelamento por baixo. No espírito, a reforma é norte-americana: é pragmática, instrumental, técnica e visando ao mercado. Não que isso seja totalmente errado; só não deveria ser exclusivo como critério, e os protestos de alunos e professores têm-se elevado. De fato, diminui a licenciatura, o mestrado e o doutorado, amputando anos de cada um deles.

O que é curioso é verificar que uma reforma tão remota possa nos afetar gravemente. Nesse quadro, a diretriz é deixar definhar os estudos brasileiros sem alarde, por baixo do pano, sem guilhotinar e sem chamar a atenção. Um exemplo: a única cátedra de brasilianística existente na Europa, na Universidade Livre de Berlim, foi ocupada por concurso há 15 anos. Agora, a catedrática aposentou-se e a cátedra foi extinta.

A França era campeã de departamentos de estudos portugueses e brasileiros, com 33 deles espalhados pelo país todo. Mas, com o fim da imigração lusa, que veio a constituir a maior colônia estrangeira (os árabes não são estrangeiros), com cerca de 2 milhões de cabeças, já não há concursos de provimento de cargos docentes, os chamados Capes e Agrégation, há quatro anos; e talvez nunca mais haja. Os departamentos estão fechando e, para justificar as radicais eliminações, a ministra das Universidades declarou que não é necessário que todas as matérias existam em todas as escolas, mas só em algumas, concentrando-se regionalmente. O argumento é válido; mas, querendo citar um caso concreto, ela deu o infeliz exemplo daquelas que são "raras como o português", esquecendo-se de que essa língua tem mais falantes que o francês. Também poderia ter chamado de raras o guarani ou o náuatle, que existem desde que Nanterre (Universidade de Paris X) foi criada para que os terceiro-mundistas de 1968 acendessem suas fogueiras longe da Sorbonne.

Todavia, nem tudo são más notícias. Em primeiro lugar, é contraditório que isso ocorra quando a procura se intensifica, graças ao crescimento do perfil de nosso país na cena internacional. Há nítido aumento da aquisição de livros brasileiros, como também do acesso a cursos de introdução à língua e à cultura, tanto por parte de estudantes, atraídos pela possibilidade de estudar aqui, quanto de empresários interessados em estender seus negócios a nosso país. A China declara precisar de 5 mil professores de português para suprir seus planos nessa área, que passaram de cursos oferecidos em apenas 3 universidades para 17 hoje e, espera-se, 35 nos próximos anos.

Em segundo lugar, no ano passado, a Europalia, ou festival anual para o qual a União Europeia convida um país, privilegiou o Brasil. Durante três meses, realizou-se um megaevento em sua capital, Bruxelas, apresentando as artes visuais desde a colônia até hoje, com destaque para uma retrospectiva de Artur Bispo do Rosário. Mostraram-se as artes cênicas, o balé e as danças, o teatro, as performances, a música popular e erudita, a produção indígena e africana, o cinema, a literatura.

Em terceiro lugar, o programa Ciência sem Fronteiras, anunciado pelo governo federal este ano, distribuirá 100 mil bolsas de estudo em quatro anos, até 2015 inclusive, com investimento de US$ 2 bilhões. Serão beneficiadas não só as habituais nações ricas, mas também China e Japão.

Felizmente há exceções no panorama do Protocolo de Bolonha. Apenas um exemplo: na República Checa, os estudos brasileiros estão conhecendo uma inédita expansão, ganhando alento novo nas três universidades do país. No bojo dessa eclosão, esses estudos foram contemplados com sede própria, com os portugueses, num palácio barroco no centro histórico de Praga. Também acaba de ser fundada uma Sociedade Checa de Língua Portuguesa. Em 2009 instituiu-se o prêmio Hieronymitae Pragenses, destinado a incentivar jovens tradutores entre os alunos de português nas universidades; sua quarta edição será em 2013, com repercussão garantida graças ao júri formado por tradutores de renome.

No mesmo impulso, criou-se uma coleção de traduções de literatura brasileira e portuguesa, ligada à universidade, que já publicou, entre outros, Guimarães Rosa, Machado de Assis e Macunaíma - que não são textos fáceis nem best-sellers a serviço do mercado. Os checos acabam de convocar seu 1º.Colóquio, o "Brasil plural", reunindo o pessoal de suas três universidades, cobrindo desde literatura e linguística até religião, política interna e externa, direitos humanos, música, antropologia, cinema, e assim por diante. Além disso, dedicam-se a aprofundar os laços entre os especialistas do leste, realizando no momento um congresso em Budapeste.

Nunca é demais lembrar que a Coreia do Sul é um país que saiu do atraso e se projetou na primeira linha das nações porque percebeu que só a educação possibilitaria essa proeza. Maciços investimentos públicos, aliados a uma campanha que tornou a frequência às escolas obrigatória até certos níveis de idade, fundamentaram o projeto. Expandiu-se a rede de estabelecimentos, formaram-se mais professores e os remuneraram adequadamente, forneceram-se livros e computadores; atualmente há 100 mil bolsistas no exterior. E eis aí o resultado, escancarado à vista de todos.

ANS vai julgar cobrança de ‘taxa extra’ para médico acompanhar parto normal


Lígia Formenti / BRASÍLIA
BRASÍLIA - Considerada um direito pelos médicos, um abuso pelos advogados e uma violência por algumas gestantes, a exigência de uma "taxa extra" por obstetras de planos de saúde para acompanhar o parto normal será julgada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A prática, que até agora permanecia na "informalidade", deverá ser discutida na próxima reunião da diretoria.
Diabética, Bárbara aceitou passar por cesárea após ouvir vários médicos - Andre Dusek/Estadão
Andre Dusek/Estadão
Diabética, Bárbara aceitou passar por cesárea após ouvir vários médicos
Entre os documentos analisados está o parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM), encomendado pela própria agência. Para o colegiado, a prática não fere a ética, traz uma alternativa para a baixa remuneração oferecida pelos planos de saúde e poderia ajudar o País a reduzir o número de cesarianas. Em 2011, 83% dos nascimentos feitos na assistência suplementar foram por meio de cesáreas.
Mulheres que gostariam de experimentar o parto normal hoje se queixam que o tipo de parto é definido pelo bolso e não pelas suas condições de saúde. Quando podem pagar a mais, o médico do plano se "dispõe" a acompanhar o parto natural. Se não têm dinheiro, a cesárea é marcada já nas primeiras consultas do pré-natal. Não importa a idade da paciente, se já teve filhos ou se ela reúne condições que permitem o parto normal.
"Eles argumentam que com cesárea tudo pode ser programado. Não perdem o fim de semana, não precisam desmarcar consultas de consultório nem ficar horas esperando um parto apenas", relata a chefe de cozinha Bruna Trieto.
Mãe de dois filhos - ambos por parto normal -, ela conta que preferiu não correr risco. "Procurei um profissional de confiança. A impressão que tenho é de que muitos médicos até dizem que fazem o parto normal, mas quando chega a hora arrumam qualquer desculpa para logo indicar a cesárea."
A desconfiança também acompanhou a servidora pública Bárbara Rangel, de 33 anos. A médica que a atendia dizia ser mais prudente fazer a cesárea, porque Bárbara é diabética. "Somente me convenci quando conversei com outros médicos, já no fim da gravidez", conta.
O parecer do CFM determina que o acordo por escrito entre gestante e médico seja feito ainda na primeira consulta. O trato garantiria à gestante o direito de ser acompanhada das primeiras contrações até o nascimento. Segundo o secretário do CFM, Gerson Zafalon, operadoras não pagam pelo acompanhamento, apenas pelo parto. Ele argumenta ainda que o valor extra poderia ser, num segundo momento, reembolsado pelas empresas de saúde. A proposta, no entanto, é criticada por sociedades estaduais.
"Impossível separar o acompanhamento do parto. É uma coisa só", afirma o presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo (Sogesp), Cesar Eduardo Fernandes. Ele defende, no entanto, a criação de uma alternativa para os baixos rendimentos do médico. "O obstetra é como um profissional qualquer: não pode trabalhar de graça. Se a paciente quer que seu médico faça o parto, pela sua disponibilidade, isso precisa ser ressarcido."
Ética. A gerente-geral de regulação assistencial da ANS, Martha Oliveira, conta que a agência decidiu analisar a cobrança da taxa extra depois de ser várias vezes questionada. "Não podemos falar sobre a ética, daí o pedido de parecer feito pelo CFM. A partir de agora, o que será visto é: a disponibilidade do médico, a presença no parto é coberta pelos serviços?" Martha diz que o plano é obrigado a garantir para a gestante o atendimento pré-natal, o acompanhamento e o parto. Não há, porém, nada explícito que garanta à paciente o direito de ser atendida pelo médico que acompanhou sua gestação. "A operadora tem de garantir a vaga, o profissional, mas não necessariamente o mesmo."
A diretora de atendimento da Fundação Procon São Paulo, Selma do Amaral, diz que nada garante à paciente que operadoras farão o reembolso do extra pago para o médico. "Não há nada que indique esse direito. Isso pode causar uma grande confusão e, pior, um grande prejuízo para os consumidores." A Federação de Saúde Suplementar, em nota, disse que reembolsos são feitos apenas para procedimentos previstos pela ANS.
Além de considerar a exigência abusiva, a advogada especialista na área de saúde Renata Vilhena diz ter dúvidas sobre a eficácia da medida para reduzir os indicadores de cesárea. "Pelo contrário, ‘oficializando’ a prática, somente gestantes com mais recursos poderiam fazer o parto normal", afirma.
 

sábado, 1 de dezembro de 2012

Shows cancelados, ingressos encalhados, festivais desaparecidos: é crise?


Jotabê Medeiros - O Estado de S. Paulo
Cancelamento do show da cantora Fiona Apple. Cancelamento do set de will.i.am na abertura de Madonna. Cancelamento do show do Sublime with Rome. Cancelamento do concerto do Coldplay, três dias após o anúncio da turnê.
Promoção de ingressos para lotar o Morumbi contrasta com filas para turnê de 2008 - Efe
Efe
Promoção de ingressos para lotar o Morumbi contrasta com filas para turnê de 2008
Lady Gaga vendendo apenas metade dos ingressos disponíveis para seus shows no Brasil. E, mais recentemente, um baque no orgulho da Rainha do Pop: Madonna desembarcou nesta sexta-feira, 30, no Brasil para a 77ª apresentação da MDNA Tourfazendo uma insólita promoção de entradas - preço do ingresso para seu show caiu pela metade. Em sua última visita, houve filas homéricas e os ingressos tinham se esgotado em 24 horas.
A bruxa anda solta no reino do show biz. Após anos de euforia no setor - e do estabelecimento de três gigantes da área no Brasil, a T4F, a Geo Eventos e a XYZ Live -, o mercado vê um recuo nas pretensões de expansão. Festivais que chegaram a reunir 179 mil pessoas, como o SWU, sumiram da grade de programação do ano (ao Estado, os organizadores garantiram essa semana que deve voltar). Observadores já anteveem uma crise na área.
O primeiro grande show do ano, o de Bob Dylan, em abril, já demonstrava que haveria sinais de fadiga na relação fã-ídolo. No Rio de Janeiro, a casa de espetáculos Citibank Hall, que abrigou o show do cantor, vendia ingressos a até R$ 900. Resultado: o local estava somente com dois terços de sua capacidade ocupados (o ingresso mais barato estava a R$ 500).
No dia 9 de novembro, no Rio de Janeiro, Lady Gaga demonstrou não ser totalmente alienada à situação do show biz. "Eu sei o quanto são caros os ingressos do meu show. Eu agradeço aos que vieram, gastaram seu dinheiro e pagaram esse preço", afirmou a cantora, durante sua apresentação no Parque dos Atletas. O show recebeu cerca de 40 mil pessoas (inicialmente, a empresa promotora esperava 90 mil), público que só foi possível após uma promoção relâmpago que dava direito a comprar um ingresso e levar outro de presente.
Foi na América do Norte que se fizeram sentir os primeiros sintomas de que algo vai mal no reino do show biz. Em julho, o balanço do primeiro semestre de shows nos Estados Unidos e Canadá, divulgado em julho pela publicação Pollstar, ligava o sinal de alerta. Ali, apesar de se detectar que havia um crescimento do faturamento nos shows (de 1,2% sobre o mesmo período do ano anterior), o Pollstar detectara ter havido também queda de 9,4% no preço médio do ingresso (o mais baixo desde 2007).
Ou seja: as empresas norte-americanas de shows já tinham "calibrado" seus preços e aumentado o número de cidades em que seus artistas fariam shows. "A indústria aparenta ter feito alguns ajustes bem-sucedidos, e que melhor refletem as realidades econômicas atuais", analisou Gary Bongiovanni, editor-chefe do site Pollstar. "Colocando de forma simples, os preços dos ingressos baixaram e o tamanho das turnês aumentaram. Para manter os ganhos, muitos artistas estão fazendo mais shows. O Top 100 das turnês na América do Norte mostra um total combinado de 2.822 cidades, o que representa 17,4% acima do número de 2011; foram incluídas 420 novas cidades".
O mercado nacional precisa achar sua própria fórmula de sobrevivência se quiser continuar crescendo - e fazendo a América Latina crescer. O Brasil é responsável por 76% do mercado de shows internacionais, ante 16% da Argentina e 8% do Chile. Para a maior empresa do ramo, a T4F, o ano de 2011 foi de recordes: realizou 396 apresentações de música ao vivo, com mais de 2 milhões de ingressos vendidos (um crescimento de 14% sobre as 348 apresentações e 1,8 milhão de ingressos de 2010). Os números de 2012 não estão fechados, mas não devem repetir o êxito.
A empresa XYZ Live realizou no mês passado o show do Kiss com público razoável (mas não com o Anhembi lotado). O Kiss, há pouco tempo, colocou 40 mil no mesmo local, e agora só reuniu 25 mil pessoas. Mas a empresa está longe de se ressentir de crise: fez uma turnê bem-sucedida de J-Lo (e outra centena de espetáculos) este ano e já possui mais de 100 funcionários e 2 mil colaboradores.
O panorama de inflação nos preços de ingressos já tinha sido apontado em reportagem do Estado em 2008, sob o título Chuva de Cifrões. Levantamento feito pela reportagem, comparando preços de 1998 e 2008, mostrava que os preços dos ingressos para shows internacionais de rock e pop no Brasil tinham explodido nos últimos 10 anos, chegando a ter, em média, um valor quatro vezes superior ao que era praticado em 1998.
O cenário que havia (e que se consolidou em quatro anos), era o seguinte: a situação falimentar da indústria fonográfica gerou uma necessidade de diversificação no mundo da música; empresários migraram para o entretenimento ao vivo, que se constituiu num novo mercado; as antigas gravadoras passaram a usar recursos maciços para promover turnês; e o show passou a ser a principal fonte de renda para o artista, que não vende mais discos (artistas de maior fama, como Lady Gaga e Katy Perry, também emprestam o nome para linhas de perfume e moda).
Para o público, no entanto, nada muda: o que se vê é um cenário de aviltamento do mercado. Há ainda, em especial no Brasil, as condições externas ao concerto complicando tudo. Shows no Morumbi, por exemplo, são palco de abuso de preços de estacionamentos, táxis, alimentação, segurança. O fã acaba desanimando.
Há ainda uma teoria generalizada de que a chegada do gigante Lollapalooza, festival norte-americano que se instalou no ano passado no Brasil, fez minguar o cardápio de artistas para festivais menores, como o Planeta Terra. Sintoma da livre concorrência, isso pode levar a uma "atrofia" dos pequenos no País, limitados a um leque de artistas "menores", segundo disse ao Estado um produtor que não quis se identificar. Por outro lado, também pode obrigar ao uso da imaginação na escalação de bandas - em vez de escolher o hype, produtores darão mais atenção à qualidade e investirão em nomes que não são consagrados, mas podem surpreender.
Claro que nem todos os cancelamentos de shows no Brasil este ano se devem a um recuo em relação às condições dos shows na América Latina. A cantora Fiona Apple não veio por causa de sua cadela Janet, de 13 anos, que estava em estado terminal. "Não posso ir à América do Sul. Não agora", escreveu Fiona em seu blog. No mês passado, ela se apresentaria em Porto Alegre (dia 27), São Paulo (dia 29) e Rio de Janeiro (dia 30).
O grupo britânico Coldplay chegou a anunciar seu retorno ao Brasil para o próximo ano, com dois shows (no Estádio do Morumbi, São Paulo, e no Estádio do Zequinha, Porto Alegre), parte da divulgação do disco Mylo Xyloto. Três dias após esse anúncio, o grupo britânico cancelou sua turnê latino-americana, alegando problemas internos no grupo e informando que ficará 3 anos sem excursionar. "Com muitíssimo pesar, nos vemos forçados a postergar nossa turnê recém-anunciada devido a circunstâncias imprevistas", disse comunicado da banda.