segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Brics não aceitam proposta de países ricos no G-20

Andrei Netto - O Estado de S.Paulo
Os maiores países emergentes participarão da reunião ministerial do G-20, hoje, em Paris, com propostas conjuntas para três temas controversos: a definição dos indicadores de desequilíbrio e os vetos ao controle de fluxos de capitais e à limitação do acúmulo de reservas internacionais.
A posição coletiva foi definida na tarde de ontem, na capital francesa, em encontro de ministros da Economia e presidentes de bancos centrais do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - o grupo dos Brics, acrescido do parceiro africano. Já sobre "guerra cambial", não há acordo.
Na prática, a postura conjunta deve representar um freio nas ambições do G-20 ministerial de Paris. As divergências começam pela prioridade n.º 1 do evento: a definição dos indicadores de desequilíbrio macroeconômico. Pela proposta franco-alemã, aceita por países desenvolvidos, seriam cinco: saldo de contas correntes, taxa de câmbio real, reservas de câmbio, déficit e dívida públicos e poupança privada.
Já os Brics não aceitam o saldo de contas correntes. "No que diz respeito ao comércio e à conta corrente, há divergências", afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. "Nós concordamos em não tomar a conta corrente como indicador, mas a conta de bens de serviços, senão acrescentaria às aplicações financeiras no exterior, que não são bem um indicador de desequilíbrio."
Outro ponto de acordo entre os emergentes é a rejeição de parâmetros (guidelines) para restringir as políticas de controle de fluxo de capitais externos.
No entender dos Brics, cada país que aplicou a iniciativa tem perfil de investimentos estrangeiros e de ativos diferente, o que justificaria a total liberdade na criação ou adoção das medidas. "Cada país tem suas peculiaridades e fará o controle de capitais da forma que achar mais adequado", argumentou Mantega.
O ministro brasileiro ainda ironizou, em linguagem cifrada, a proposta de controle, ressuscitada pela França, depois de ter sido recusada pelo G-20 de Seul, em novembro. "Parece que agora alguém se arrependeu", disse. "Não dá para concordar."
O terceiro ponto que une Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - contra as propostas postas à mesa de negociações pela França - diz respeito ao acúmulo de reservas internacionais. "Discordamos de estabelecer limites para o acúmulo de reservas enquanto não houver um sistema financeiro mais seguro", disse Mantega. "Se houver uma crise, quem vai nos socorrer? São as nossas reservas."
Os grandes pontos de convergência entre os emergentes, entretanto, não se estendem a uma proposta conjunta para reduzir os efeitos da "guerra cambial". Isso porque Brasil e China têm visões diferentes sobre o yuan, cujo câmbio é administrado pelo Banco Central chinês. Ainda assim, Mantega também criticou os EUA. "Não é só um ou outro país asiático que está administrando o câmbio. Ele está sendo administrado por vários países", reclamou o brasileiro.
As posições dos Brics confrontarão hoje as propostas da França. Christine Lagarde, ministra da Economia do país anfitrião, defende a imposição de limites à acumulação de reservas e o enquadramento das políticas de controle de fluxos de capital. O governo de Nicolas Sarkozy tenta obter neste G-20 ministerial pelo menos um "acordo de princípios" sobre os indicadores de desequilíbrio, o que impediria o fracasso do evento.
As chances de avançar nas negociações, entretanto, não se limitam a hoje. Em Washington, em abril, e novamente em Paris, em outubro, haverá encontros ministeriais antes da reunião de chefes de Estado e de governo do G-20 em novembro, em Cannes. 

Volatilidade dos preços e segurança alimentar



No momento em que muitas ideias falsas vêm sendo difundidas a respeito das propostas da França relativas às commodities no âmbito do G-20, parece-me útil esclarecer nossas intenções.
Ao assumir a presidência do G-20, a França definiu, dentre suas prioridades, a questão da excessiva volatilidade dos preços das commodities. Esse trabalho não é uma iniciativa isolada da França, mas sim parte integrante de um trabalho coletivo sobre segurança alimentar iniciado há mais de dez anos com os "Objetivos do Milênio para o Desenvolvimento", na FAO, no Banco Mundial e no G-20.
Por quê? Porque a volatilidade dos preços é uma realidade: no verão de 2010, enquanto se anunciava uma redução nas estimativas de produção de trigo em 3%, o preço teve aumento de 70% em um mês. Porque ela é uma ameaça para os habitantes dos países mais vulneráveis, quer os preços estejam baixos - quando quem sofre as consequências são os produtores - ou altos - quando quem sofre são os consumidores das cidades (os gastos dos países mais pobres para o abastecimento em produtos agrícolas duplicaram entre 2000 e 2008). Finalmente, porque ela impede os produtores de planejarem suas atividades a longo prazo e, consequentemente, de realizarem os investimentos produtivos necessários se quisermos, coletivamente, alimentar o mundo em 2050.
A proposta de uma melhor regulação dos mercados internacionais não significa, de forma alguma, controlar os preços, nem organizar, em nível internacional, a produção e o abastecimento. Em contrapartida, a agenda a seguir foi definida junto com nossos parceiros do G-20 : o acesso à informação sobre safras, consumo e estoques; a coordenação internacional para enfrentar as crises; a ajuda aos países vulneráveis, com uma reflexão sobre as boas práticas no que diz respeito à constituição de estoques nacionais ou regionais, bem como sobre instrumentos financeiros de cobertura de riscos; a regulação dos mercados derivados de produtos agrícolas (no mercado, troca-se o equivalente a 45 vezes a produção anual mundial de trigo); por fim, a melhoria da produção e a produtividade agrícolas nos países mais pobres.
Vanguarda. O Brasil está na vanguarda da luta contra a insegurança alimentar, tendo demonstrado em programas como o Pronaf, Fome Zero e Bolsa Família, assim como em seus resultados comerciais (com US$ 20,4 bilhões de importações agrícolas brasileiras, a União Europeia é o primeiro cliente agrícola do Brasil, muito à frente da China e dos Estados Unidos), que é possível combater a fome, apoiar a agricultura familiar e desenvolver uma forte agricultura comercial. Agora, o Brasil procura compartilhar sua experiência, como se percebe nos ambiciosos programas de cooperação na África, com a candidatura ao cargo de diretor-geral da FAO do senhor José Graziano que implementou o Fome Zero no Brasil.
Nós, o Brasil e a França, somos duas grandes nações agrícolas, que tiveram e ainda hão de ter debates difíceis, particularmente quando estiverem em jogo nossos respectivos interesses comerciais agrícolas e a concorrência que há entre nós nos mercados francês e europeu. No entanto, existe convergência em matérias essenciais, como o combate à fome, na FAO e em nossa parceria estratégica.
Esse trabalho deve continuar, pois ainda existem muitos assuntos importantes a serem tratados: a luta contra a excessiva volatilidade dos preços agrícolas, tendo como objetivo a segurança alimentar, é um deles.

Descomplicar a reciclagem

19 de fevereiro de 2011 | 0h 00
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Quando se fala em reciclar o lixo, logo vem à cabeça aquela fileira de lixeiras coloridas. Tem verde, vermelha, a azul e amarela, e ninguém sabe ao certo em qual colocar o quê. Em qual delas vai papel usado?
Esse sistema está sendo fortemente questionado. A novidade é que em boa parte dos países avançados a separação se faz em apenas dois tipos de lixo: o que é reciclável e o que não é; o lixo seco e o lixo molhado.
Não faz mais sentido separar os resíduos por tipo de material. Isto é, ter uma lixeira para o plástico, outra para o papel, mais uma para o vidro, outra mais para as latinhas de alumínio, sem falar no recipiente para colocar os restos de comida.
"A separação por materiais é uma bobagem. Não sei quem inventou essa história de cor pra lá, cor pra cá", avisa Maurício Waldman, autor do livro Lixo: cenários e desafios. Um grande número de embalagens, como a TetraPak, é um conglomerado de vários materiais: plástico, cartolina, alumínio. Para onde vai isso? E será que vale a pena lavar garrafas e recipientes de suco de frutas quando se sabe que é preciso pelo menos dois copos de água tratada para se limpar um copo sujo? Ou economizar água também não é procedimento ecológico?
Para Waldman, o correto seria juntar tudo que é reciclável num mesmo balaio. A separação deve ser processada nos centros de triagem, onde haverá mais conhecimento e recursos para separar os resíduos. Só em papéis e papelões, a triagem deve prever 14 tipos diferentes. Não há dúvidas de que a simplificação do processo incentivaria mais gente a separar o lixo.
O Brasil produz cerca de 154 mil toneladas de lixo por dia, das quais somente 12% são reaproveitados - três vezes menos do que na Alemanha e na Suécia, referências no tema. Levantamento do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) mostra que apenas 443 municípios (8% do total) têm algum programa de coleta seletiva de resíduos (veja gráfico).
Apesar dos números inexpressivos, o momento nunca foi tão promissor. Em agosto passado foi sancionada a lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ela cria um marco regulatório e trabalha com o conceito de responsabilidade compartilhada.
Isso significa que todas as unidades da cadeia produtiva são responsáveis pelo lixo que produzem: sociedade, empresas, prefeituras e governos estaduais e federal. A lei define também que até 2014 os municípios estão obrigados a trabalhar com coleta seletiva e acabar com os lixões, onde os resíduos são despejados sem nenhuma triagem anterior.
"A perspectiva agora é de que o setor se profissionalize e comece a ser visto como uma oportunidade de negócio", explica Carlos Silva Filho, diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o País perde R$ 8 bilhões por ano quando deixa de aproveitar os resíduos recicláveis que estão disponíveis.
Mas, para que a coisa avance, parece indispensável acabar com a excessiva separação doméstica e adotar o mais rapidamente possível a divisão em apenas dois tipos de lixo. /COLABOROU ISADORA PERON
São os catadores
Não dá para falar em reciclagem de lixo sem mencionar o trabalho dos catadores. Apesar de muitas vezes só serem notados quando "atrapalham" o trânsito com seus carrinhos, eles desempenham papel importante nesse processo.
Trabalho notável
Hoje há mais de 800 mil pessoas exercendo essa atividade no Brasil. Estima-se que cada um deles recolha por dia 500 quilos de materiais. De acordo com Carlos Silva Filho, diretor executivo da Abrelpe, entre 60% e 70% do lixo no País só é reciclado graças ao trabalho realizado pelos catadores.
Parte da história
A Política Nacional de Resíduos Sólidos faz 11 referências à participação dos catadores no País. A intenção é integrá-los ao sistema e oferecer condições mais dignas de trabalho. "A lei nos dedicou um capítulo inteiro. Isso quer dizer que fazemos parte desta história", diz Roberto Laureano, presidente do Movimento Nacional dos Catadores de Resíduos.