O governo de Daniel Ortega, na Nicarágua, ameaça romper relações diplomáticas com o Vaticano. Isso vem como mais um passo na campanha de perseguição do governo contra a Igreja Católica, que inclui prisão de bispos e padres e fechamento de duas universidades católicas. Some-se a isso o fato de que Ortega também prendeu, matou e exilou opositores e silenciou a imprensa. A Nicarágua deixou de ser uma democracia e vive, hoje, uma ditadura.
A grande pergunta é como reagir a isso.
De uma coisa não deveria haver dúvida: a democracia liberal, embora longe de ser perfeita, é o melhor arranjo político, econômico e social que conhecemos, e qualquer alternativa autoritária a ela é condenável.
Sufrágio universal, eleições periódicas com regras claras, divisão de poderes, império da lei, imprensa e sociedade civil livres e independentes, economia de mercado. Com todas as suas muitas falhas, foi esse modelo de organização que permitiu os maiores avanços sociais e econômicos da humanidade, seja com governos mais à esquerda ou mais à direita.
Hoje, contudo, vemos uma série de países erodir as bases de suas democracias e, mesmo sem um golpe de Estado formal, tornar-se ditaduras. Turquia, Hungria, Índia, à direita (cujos líderes tanto inspiraram Bolsonaro). Venezuela e Nicarágua, à esquerda.
Com a Nicarágua, a comunidade democrática internacional já aposta em impor sanções ao regime. Igual ao que foi feito anos atrás com a Venezuela. O poder de Nicolás Maduro, contudo, permaneceu inabalado.
Pior: sanções econômicas podem até fortalecer o regime. Elas dão a narrativa perfeita para insuflar o nacionalismo autoritário. Ou você está do lado do presidente perseguido pelo imperialismo internacional ou está do lado das potências estrangeiras. Acaba o espaço para uma oposição patriótica. Estar contra o governo é apoiar os atos de agressão estrangeiros e, portanto, trair a pátria. O quanto o embargo norte-americano não justificou, internamente, o discurso (e os fracassos) da ditadura cubana?
O PT tem um histórico muito ruim no que diz respeito às ditaduras de esquerda no continente: oscila entre o apoio e a condescendência, indo na contramão de líderes de esquerda democráticos, como Boric, do Chile, Pepe Mujica, do Uruguai ou mesmo Gustavo Petro, da Colômbia. Mas esse histórico não invalida a escolha do governo atual de se manter mais independente das condenações internacionais e buscar canais de diálogo com os regimes autoritários.
É possível reverter o processo de degeneração democrática por meio da diplomacia? Parece ingênuo. Mas as sanções também não têm funcionado. E mesmo com as sanções, a Venezuela continua aí. O rompimento das relações apenas dificultou que o Brasil busque seus interesses junto ao país, sem nenhum benefício aparente. Nós negociamos tranquilamente com diversas ditaduras pelo mundo —como Arábia Saudita e China. Romper relações com toda e qualquer ditadura em nome da pureza democrática seria um ato suicida sem qualquer efeito positivo.
Talvez seja melhor manter canais abertos para que possamos perseguir nossos interesses junto a esses países e exercer alguma influência sobre eles. Ademais, é bom lembrar: isolar a Venezuela —ou a Nicarágua— do mundo democrático não significará isolamento total para elas. Haverá países querendo fazer negócios e investir, como a China. Resta ao Brasil a escolha: queremos nós poder negociar e influenciar esses países ou será melhor empurrá-los completamente para a China?
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