sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Charada ou mistério, OESP

Celso Ming, O Estado de S.Paulo
23 Novembro 2017 | 21h00
Desde agosto, a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Janet Yellen, tem afirmado que a inflação deste ano, bem mais baixa do que aquela com que contava, “é um mistério”.

Yellen
Yellen. Não é a primeira vez que uma autoridade do Fed está perplexa com a inflação baixa Foto: AP Photo/Andrew Harnik, File
Não é a primeira vez que a maior autoridade do Fed se diz perplexa com a persistência de uma inflação rastejante, abaixo da meta. Em fevereiro de 2005, o então presidente do Fed, Alan Greenspan, confessava que o tombo da inflação era para ele uma charada (conundrum). Ele se referia a uma anomalia: enquanto o Fed puxava para cima os juros de curto prazo, o mercado vinha reduzindo o rendimento dos títulos de longo prazo. Esse descasamento comprometia, também, a capacidade do Fed de conduzir as expectativas.



Quando pronunciado em inglês, o termo conundrum soa um tanto tétrico e, na ocasião, serviu para muita piada de conferencistas ou para atender a certo oportunismo comercial. Até mesmo um vinho de qualidade questionável com esse nome passou a ser vendido nos Estados Unidos.
Meses depois, Greenspan julgou ter matado a charada. Em documentos do Fed, sugeriu que a derrubada da inflação nos Estados Unidos foi proporcionada pelo emprego cada vez mais intensivo de Tecnologia da Informação, que vinha achatando os custos de produção e, portanto, vinha concorrendo para derrubar os preços.
Agora, o reconhecimento da existência de um mistério na gênese da inflação dos Estados Unidos parece estar sendo interpretado mais como fundamentação técnica do Fed para aumentar o gradualismo da política de juros básicos do que para discutir sobre as causas da novidade.
Mas, afinal, que mistério é esse? O mercado de trabalho dos Estados Unidos passa por uma fase que historicamente poderia ser considerada como de pleno-emprego: apenas 4,1% da mão de obra ativa está procurando trabalho. É uma situação que tenderia a aumentar a demanda por bens e serviços e, portanto, a puxar a inflação para cima.
Nas últimas semanas, Yellen e outros governadores do Fed avançaram algumas hipóteses. Uma delas é a de que os tais 4,1% de índice de desemprego escondem o fato de que grande número de trabalhadores só vem conseguindo ocupação em tempo parcial. Não estão desempregados, mas ganham menos e essa redução da renda pressiona menos o mercado de consumo. Outra explicação é a de que as operadoras passaram a oferecer planos de uso ilimitado de telefonia celular, situação que não só teria concorrido para redução dos custos da comunicação, como, também, para aumento da produtividade da economia. E uma terceira, a de que os custos da saúde não aumentaram tanto quanto o esperado.
Mas tanto Yellen como outros diretores do Fed reconhecem que ainda não entenderam inteiramente o fenômeno. De onde se conclui que ainda falta explicação e que o mistério continua. E se falta explicação e sobra mistério, também o Fed perde condições de gerenciar as expectativas.
De todo modo, o mercado global continuará inundado de moeda forte, fator que também ajudará a conter a alta do dólar no câmbio do Brasil.
CONFIRA:



» Furo no piso
Também no Brasil, a inflação continua surpreendendo positivamente. O IPCA-15, que é o mesmo índice de preços, com a diferença de que conta o período de 30 dias a partir do dia 15 de cada mês, apontou inflação de 0,32% em novembro. Ou seja, essa prévia mostra que a inflação em 12 meses parou nos 2,77%. Ficou mais provável que 2017 feche com inflação abaixo de 3%, portanto, abaixo do piso da meta. É mais um fator que pode levar o Banco Central a reduzir os juros para abaixo dos 7% ao ano.

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